quarta-feira, março 17, 2010

Escassez de mão de obra

O Estadao de S.Paulo


Sobram trabalhadores, aos milhões, que dificilmente serão reincorporados ao mercado de trabalho de maneira regular - a maioria viverá de "bicos", mas faltam trabalhadores para setores que deverão crescer rapidamente nos próximos meses.


Esses dois problemas de um mercado que deverá ter um desempenho animador - a expectativa é de geração de até 2 milhões de empregos até o fim do ano - são consequência da mesma deficiência. O Brasil não tem preparado adequadamente sua força de trabalho para atender às áreas mais dinâmicas da economia nem gera empregos suficientes para um enorme contingente de pessoas que, por falta de qualificação, veem fechadas as oportunidades de trabalho regular e remunerado.

O resultado não poderia ser diferente daquele a que chegou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no estudo Emprego e oferta qualificada de mão de obra no Brasil - Impactos do crescimento econômico pós-crise. No universo de 24,8 milhões de brasileiros aptos para o trabalho, 5,5 milhões sem qualificação profissional terão enormes dificuldades para se inserir no mercado de trabalho. Outros 653 mil profissionais, experientes e com qualificação, também terão dificuldade para encontrar emprego neste ano, pois as empresas do setor em que trabalhavam fecharam postos de trabalho por causa da crise mundial e ainda não estão dispostas a reabri-los.

Mas setores nos quais a retomada do crescimento será mais intensa já sentem a escassez de trabalhador qualificado. Entre eles estão a construção civil, o comércio e a hotelaria, que terão dificuldade para encontrar profissionais aptos a preencher as vagas que serão criadas nos próximos meses para atender à demanda. Será, ressalve-se, uma escassez localizada, tanto em termos de setores econômicos como regionais, concentrando-se no Sul e no Sudeste.

No Sudeste, sobretudo no Estado de São Paulo, o déficit de trabalhadores qualificados para o comércio e para o setor de serviços de reparações poderá chegar a 204 mil neste ano; na construção, faltarão 70,9 mil trabalhadores. Em todo o País, nos setores de educação, saúde e serviços sociais faltarão 50 mil trabalhadores; no de hotelaria e restaurantes, o déficit deverá ser de 28,5 mil trabalhadores.

A nova realidade do mercado de trabalho coloca em questão a capacidade do governo e do setor privado de entender as mudanças de perfil dos trabalhadores mais requisitados e de preparar a mão de obra exigida pelos novos tempos.

Em alguns setores, como o da construção civil, o treinamento e a preparação de trabalhadores eram feitos na própria obra. Profissionais experientes ajudavam e ensinavam os recém-chegados, que, com o tempo, iam se habilitando para desempenhar tarefas de maior complexidade. As mudanças tecnológicas, como novos materiais e novos processos construtivos, bem mais eficientes e rápidos do que os tradicionais, e a forte demanda esperada para os próximos meses tornam inviável essa prática.

Em 2008, o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), baixou resolução instituindo o Plano Nacional de Qualificação (PNQ), que faz parte do Sistema Nacional de Emprego e dispõe de recursos do FAT. Trata-se, no papel, de um programa amplo, com a participação de diferentes áreas do governo, que considera "a qualificação social e profissional um direito do trabalhador e instrumento indispensável à sua inclusão e aumento de sua permanência no mundo do trabalho".

Esse programa, no entanto, relaciona grupos sociais que devem ser preparados com prioridade (entre os quais os beneficiados pelos programas de transferência de renda, os trabalhadores afetados pelos processos de modernização ou de reestruturação de setores industriais e os que atuam em setores considerados estratégicos para o desenvolvimento e para a geração de renda), o que limita sua abrangência.

Não se conhecem resultados recentes do PNQ, mas a existência de milhões de brasileiros condenados ao desemprego ou subemprego por falta de qualificação mostra que seu alcance é limitado.