segunda-feira, dezembro 25, 2006

Mercado informal continuará forte

Crescimento ocorre principalmente por causa da elevada carga tributária sobre empresas e trabalhadores

Irany Tereza, RIO

A taxa de desemprego continuará caindo, mas lentamente, no ritmo da economia “que cresce pouco, mas cresce”. Essa é a avaliação do economista José Márcio Camargo, da consultoria Tendências. Porém, segundo ele, apesar do forte ritmo de crescimento do emprego formal, a informalidade continuará sendo a base do mercado, com mais da metade da força ocupada. “É razoável pensar que o mercado formal encontrará um ponto de equilíbrio em torno de 45%.”

Camargo atribui o fenômeno à alta cunha fiscal, que onera em demasia o custo das empresas e faz boa parte dos trabalhadores optar pela informalidade, em busca de rendimentos maiores, sem o desconto da carga tributária. O crescimento recente das vagas formais, acredita, deve-se ao avanço do setor exportador, obrigatoriamente formal, e a mudanças na legislação, como o banco de horas, que diminuíram um pouco o custo da formalização.

Já o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo de Ávila, pondera que um exercício de simulação que iguale todas as regiões do País ao mesmo perfil metropolitano dos seis maiores centros urbanos - o que considera irreal e estatisticamente incorreto - revelaria, aproximadamente, a criação de 8 milhões de empregos. “Não são os 10 milhões prometidos, mas é um número bastante forte.”

Das quase 2,5 milhões de vagas criadas de 2003 a 2006, nas regiões pesquisadas pelo IBGE, quase metade (1,3 milhão) ficou concentrada na faixa de trabalhadores entre 24 e 48 anos, segundo mostra a compilação feita pelo Ipea. A decomposição dos dados expõe a boa notícia do fraco crescimento do trabalho infantil: só 13 mil empregos foram dirigidos a crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos que, pelos critérios estatísticos, pertencem à camada da chamada “população em idade ativa”. Entre os com idade entre 15 e 17 anos, foram 12 mil. Mas também o jovem trabalhador, entre 18 e 24 anos, teve pouco espaço: 172 mil novas vagas.

“A competitividade do mercado de trabalho beneficia as empresas e pune o trabalhador que busca ingressar no mercado. Pessoas um pouco mais velhas, com alguma experiência e qualificação têm a preferência pela vaga”, diz Ávila, referindo-se à relação entre a oferta e a procura no mercado.

Essa corrente é considerada natural e positiva pelo economista André Urani, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), para quem o programa do governo para estimular o aumento de vagas para os jovens é equivocado. “O Primeiro Emprego é um erro, subsidia a troca de um pai de família por um jovem no mercado de trabalho. Por sorte, foi feito de maneira errada e não deu certo.”

Urani argumenta que, no mundo inteiro, a prioridade de acesso ao trabalho não recai sobre o jovem. A demora no acesso ao mercado, acompanhada de maior permanência na escola, é positiva para elevar a qualificação e a competitividade dos trabalhadores. “Eles terão mais condições de entrar no mercado pela porta da frente e não pela dos fundos.”

O que vem massacrando o ingresso ao primeiro emprego, diz ele, é a migração industrial, que retira capacidade de oferta dos grandes centros, que não encontram outra vocação de mercado. Este cenário se verifica principalmente em São Paulo, que vem perdendo o perfil industrial sem substituí-lo por um quadro de serviços à altura de absorver a força de trabalho. Também ocorre nos subúrbios do Rio. “As regiões metropolitanas estão tendo muita dificuldade de se reinventar.”

Extraído de
O Estado de São Paulo
Economia & Negócios

25 de dezembro de 2.006

quarta-feira, novembro 15, 2006

Uma agenda para o crescimento econômico e a redução da pobreza

Texto para discussão 1234 - www.ipea.gov.br

SINOPSE

O presente texto sistematiza uma agenda de propostas de políticas públicas elaboradas no âmbito da Diretoria de Estudos Macroeconômicos (Dimac) do Ipea. Tais propostas têm como foco básico o binômio crescimento econômico e combate à pobreza e desigualdade, levando também em conta a estabilidade de preços e a sustentabilidade macrofiscal. Primeiramente, são discutidos os desafios a serem enfrentados pelas políticas públicas, lançando mão de comparações internacionais.

Em seguida, as propostas são apresentadas de forma condensada e consistente. No caso das políticas sociais, em que se busca maior eficiência através da integração e focalização, são discutidos os programas de transferência de renda, a (limitada) efetividade do salário mínimo na redução da desigualdade e da pobreza, o sistema brasileiro de saúde e a educação superior. Com relação às políticas voltadas para o aumento da eficiência econômica e da competitividade, são abordadas questões de natureza regulatória associadas ao próprio funcionamento das agências reguladoras e aos setores de aviação civil, petróleo e gás natural, telecomunicações, energia elétrica e saneamento. Ainda com relação às questões de eficiência e competitividade, discutem-se as reformas do judiciário e a trabalhista, bem como políticas de comércio exterior. Em termos de política macroeconômica, propõe-se um plano de longo prazo (abrangendo um período de 12 anos) com foco nas seguintes questões: aperfeiçoamento do regime de metas de inflação, reforma previdenciária e reforma fiscal. Apresenta-se também um cenário para as principais variáveis macroeconômicas até 2018, na hipótese de adoção das medidas propostas. O documento apresentada as contribuições assinadas pelos técnicos da Dimac que serviram de base a esta agenda de longo prazo.

Brasil - O estado de uma Nação

Brasil: o estado de uma nação
Mercado de trabalho, emprego e informalidade
(RESUMO)


O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) lançou nesta quarta-feira, 9 (nove) de agosto, o segundo livro da série, iniciada em 2005, Brasil: o estado de uma nação.

Aberta por uma análise e avaliação da conjuntura econômica no período 2004-2005, com foco na Política Monetária, a nova obra é composta por 8 (oito) capítulos e é especialmente dedicada à análise da realidade e das perspectivas do Mercado de Trabalho brasileiro.

A íntegra da edição 2006 de Brasil: o estado de uma nação está disponível no site www.ipea.gov.br

Introdução

A edição 2006 de Brasil: o estado de uma nação procura desvendar os mistérios do mercado de trabalho no país, discutindo diversos aspectos que têm limitado o seu desempenho e apontando caminhos no sentido de aprimoramentos institucionais que elevem sua eficácia operacional, de modo a ampliar a participação dos indivíduos, a garantir proteção social e a oferecer melhor ambiência empresarial para que nossas firmas possam se desenvolver e competir neste mundo globalizado.

segunda-feira, novembro 13, 2006

REGULAMENTAÇÃO DO COMÉRCIO INFORMAL

Em http://federativo.bndes.gov.br/dicas/D072.htm
(Publicado originalmente como DICAS nº 72 em 1996)

Em tempos de crise econômica, cresce cada vez mais o comércio informal. A proibição não resolve o problema. A criação de um fórum que envolva os comerciantes, os camelôs e a população pode ser a saída.

A crise sócio-econômica originou uma nova categoria de trabalhadores: os camelôs. Sem carteira de trabalho assinada, eles tentam driblar, de forma criativa, as demissões em massa ocorridas nas indústrias. Dezenas de barracas, vendendo os mais diversos tipos de produtos, foram instaladas nas praças, ruas e viadutos das cidades. A rápida multiplicação desses trabalhadores gerou novos impasses entre diferentes setores da sociedade. Os comerciantes passaram a exigir do poder municipal alguma ação que coibisse a existência dos camelôs, sob a argumentação de que prejudicam as vendas ao oferecerem produtos similares aos das lojas a preços muito menores.

A preocupação com os vendedores ambulantes nas cidades reflete parte das questões referentes à economia informal (que gera renda mas não paga impostos nem seguridade social) presentes nas agendas do poder público federal, estadual e municipal. Recente levantamento feito pelo IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra o brasileiro satisfeito em trabalhar sem patrão e sem carteira assinada (no total somam 38,6% dos trabalhadores). Entre os pesquisados, 85% dos que deixaram o trabalho assalariado para ter um negócio próprio não querem mudar de ramo ou buscar emprego no mercado formal. Afinal, grande parte dessas pessoas foram demitidas das indústrias por serem trabalhadores menos qualificados e, ao ingressarem na venda informal de serviços ou produtos, aumentaram sua renda em relação à situação anterior. Dados do Ministério do Trabalho mostram que em 1995 havia 2,1 milhões de trabalhadores autônomos ou sem carteira assinada só na região metropolitana de São Paulo.

Os vendedores ambulantes já contam com órgãos próprios de assessoria e promoção de cursos, sindicatos específicos e até convênios com prefeituras e governo. Em São Paulo, por exemplo, há o Sindicato dos Trabalhadores da Economia Informal, fundado em 1992, o Sindicatos dos Ambulantes e Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos de São Paulo (Ceapae-SP).

POR QUE REGULAMENTAR?

A presença desses vendedores do mercado informal nas cidades não pode ser desprezada pelo poder público local. A relação entre os camelôs e entre estes e os comerciantes requer especial atenção quando o mercado de ambulantes não está regulamentado. A fase embrionária em que se encontram os seus órgãos de representação leva, muitas vezes, para o nível pessoal as soluções de problemas cotidianos. O grande número de ambulantes e a disputa pelos melhores pontos de venda na cidade geram uma concorrência predatória entre os trabalhadores da mesma "categoria".

A desordem, por sua vez, dá margem para o aparecimento de relações conflituosas entre pedestres, ambulantes e comerciantes. Surgem reclamações referentes à falta de espaço para os pedestres, a presença de camelôs ao lado de pontos de ônibus, a obstrução da entrada de lojas, entre outros, dificultando a criação de uma empatia entre os moradores da cidade e essa camada de trabalhadores que tentam sobreviver por meio de uma atividade informal da economia, após terem sido excluídos do mercado formal de trabalho.

A Prefeitura Municipal também deve estar atenta para a desfiguração do espaço público que a presença de ambulantes de maneira não organizada pode proporcionar. Barracas em espaços públicos de convivência ou próximas a monumentos públicos podem causar o estranhamento do cidadão em relação a esse espaço ocupado e, em seguida, o rompimento afetivo do morador com a sua própria cidade. Isso também deve ser uma preocupação da prefeitura.

Outro fator importante a ser considerado é o fato de que o aumento desordenado de vendedores ambulantes nas ruas potencializa um aumento do esquema de arrecadação de propinas por parte dos fiscais da prefeitura, por criar uma relação incestuosa entre estes e os camelôs, ignorando os interesses da coletividade.

O governo municipal deve estar ciente de que a regulamentação do mercado de ambulantes deve incorporar todos os atores sociais. A organização dos camelôs na cidade já tem uma lógica própria que não aceitará imposições de cima para baixo. A construção de camelódromos, por exemplo, não soluciona o problema porque o comércio ambulante se estrutura em locais onde há um grande número de pedestres, e soluções desse tipo deslocariam o camelô para uma área afastada do percurso diário do seu "mercado consumidor".

As relações existentes entre os "donos dos pontos" e seus "funcionários", e entre os fiscais e os ambulantes, já construíram regras que ordenam as suas atividades e que muitas vezes estão associadas à idéia de conflito, porque a maioria das vezes em que os camelôs foram notados pelo poder público foi para impedir que trabalhassem. Portanto, a entrada do poder público municipal deverá ser feita respeitando essa lógica pré-existente e, a partir de então, dando forma a regras universalizantes.

Dessa maneira, cabe à prefeitura travar uma relação democrática com essas pessoas que foram excluídas do mercado de trabalho formal e que não têm outra alternativa de sobrevivência. Mesmo porque, em tempos de crise econômica, a atividade ambulante continuará existindo independente da postura adotada pelo poder público municipal, uma vez que o comércio ambulante se adapta às proibições e concessões determinadas pelos governos locais em diferentes gestões. Ou seja, a proibição não elimina o comércio ambulante.

COMO PODE SER FEITO?

A prefeitura deve criar um fórum de discussão que será responsável pela criação de uma lei que regulamente a atividade informal, respeite os direitos dos pedestres e de outras categorias sociais. Esse fórum deve ser aberto para os representantes dos trabalhadores ambulantes, dos comerciantes e da sociedade civil.

Cabe ao governo municipal abrir as discussões, a partir do mapeamento das ruas do centro e dos locais mais usados pelo comércio ambulante, de tal forma que se tenha noção da capacidade das vias públicas abrigarem os vendedores sem prejudicar a circulação. O cadastramento de todos os interessados em exercer atividade ambulante também deve ser providenciado pela prefeitura, esta medida tornará os ambulantes menos expostos à pressão dos fiscais da prefeitura.

Dentre outras questões a serem enfrentadas tem-se a regulamentação do perfil dos vendedores ambulantes que poderão trabalhar e dos usos múltiplos das vias e logradouros, de tal forma que o trânsito de pedestres não fique impedido, e não sejam obstruídos os pontos de ônibus, estacionamentos, edifícios e lojas. Essa demarcação da área destinada aos ambulantes deve deliberar a respeito do distanciamento entre barracas, da área máxima de exposição das mercadorias e do produto a ser vendido pelo ambulante. Podendo, por exemplo, gerar áreas especializadas em oferecer artesanatos, outras em eletro-eletrônico e assim por diante.

O fórum poderá, a médio prazo, incentivar a organização dos camelôs em cooperativas, que assumam a distribuição dos locais previamente definidos e a fiscalização das atividades dos ambulantes, de tal forma que quando essa organização estiver bem estruturada, só seja permitido vender produtos comprados da cooperativa. Dessa maneira, a marca da cooperativa seria como um selo de qualidade.

Cabe também à prefeitura desmistificar a idéia de que os ambulantes são marginais, que não devem ser reconhecidos como trabalhadores honestos, ou ainda que existe uma relação direta entre o ganho adquirido pelo camelô e a perda do comerciante. Pesquisas demonstraram que na cidade de São Paulo a presença de camelôs em determinadas áreas atrai a presença de consumidores em potencial também para os lojistas da região: quando os ambulantes foram afastados, o comércio legal da região caiu.

RESULTADOS

O comércio ambulante foi regulamentado no município de São Paulo, de 1989 e 1992, através da iniciativa da Prefeitura Municipal por meio de um fórum do qual faziam parte todos os atores direta ou indiretamente envolvidos na questão do mercado informal de camelôs.

Participaram do fórum as secretarias municipais que tinham alguma ligação com a questão _ Secretaria de Abastecimento, Secretaria de Bem-Estar Social, Secretaria de Planejamento e Secretaria de Administrações Regionais _, a Associação Comercial, a Federação de Lojistas, Federação do Comércio, todas as entidades que representam os ambulantes, OAB, Ordem dos Economistas e o Sindicato dos Arquitetos.

O regulamento chamou atenção para questões de amplitudes variadas, desde o direito do trabalhador gerar a sua renda de maneira informal, passando por preocupações paisagísticas, até a dimensão simbólica da cidade para os seus habitantes.

A seguir algumas definições acordadas pelo fórum:

Permissão para exercício da atividade somente aos ambulantes cadastrados.

Tendo-se como base a planta genérica de valores da cidade, estipulou-se o pagamento ao Município pelo uso do espaço público (a partir do valor do metro quadrado em cada região).

2/3 dos pontos fixos foram destinados aos portadores de deficiência física e aos sexagenários.

1/3 foram distribuídos aos demais interessados, pelo critério de antigüidade

a credencial foi dada a título pessoal e intransferível (os deficientes contavam com auxiliares).

Caso houvesse desrespeito às normas gerais (quanto à localização, documentação, higiene, etc.) eram aplicadas multas, e em caso de reincidência, a permissão ao exercício da profissão era revogada.

Foi criada ainda uma comissão permanente regulamentadora em cada administração regional, com a função de controlar as medidas definidas, delimitar e distribuir os pontos, e deliberar quais produtos podiam ser comercializados.



Autores: Cássio Luiz de França e Rafael Oliva Augusto

quinta-feira, julho 27, 2006

Doing Business in Brazil

Brazilian cities vary significantly in the ease of doing business, according to the new Doing Business in Brazil report. This report is the second state-level report (last year's Doing Business in Mexico was the first), and it highlights the increasing importance of state and city level reforms in a globalized world. Cities, as much as countries, are now competing for investments.

Points of interest:

Compared with Mexico, Brazilian cities perform better when it comes to the cost of registering property. But despite identical regulations across Brazil, there is a wide variation in the time it takes to transfer property – less than a month in São Luís, almost three months in Campo Grande. Also difficult in Campo Grande is contract enforcement. It can take over four years, while São Paulo's 18 months is the easiest.

Complying with business regulations is easiest in Brasilia, but in Belo Horizonte it takes a mere two days to create and register collateral, as compared to 45 days in Brasilia.

The tax burden is heavy across Brazil, in terms of tax rates and administrative complexities. Businesses in Rio de Janeiro have one of the highest tax burdens in the world.

Easing regulation and establishing a favorable business environment for entrepreneurs is key to creating jobs and equitable growth. Brazil has undertaken reforms at the national, state, and municipal level but this report suggests areas where further reforms are possible.

Em:

http://www.doingbusiness.org/Main/Brazil.aspx

domingo, julho 02, 2006

Me engana

Em O Globo de 02 de julho de 2006

Por Merval Pereira:

Quando, ao ser lançado candidato à reeleição pelo PT, o presidente Lula ameaçou com o aumento da carga tributária caso não fosse possível cortar os gastos do governo, estava fazendo não apenas uma autocrítica da gestão de sua administração, mas dando uma indicação do que poderá vir a ser um eventual segundo mandato, depois de aumentar os gastos públicos no ano eleitoral em curso. Seja ele reeleito ou não, se as reformas estruturais, como a da Previdência, não forem aprovadas na próxima gestão, um aumento da carga tributária já está encomendado. A carga tributária brasileira é hoje 38% do PIB, de longe a maior da América Latina. Mas segundo o Banco Mundial 39,2% do nosso PIB está na informalidade.

Pelas contas do economista Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas, se todos pagassem os impostos que devem ao Estado, a carga tributária hoje seria de inacreditáveis 57% do PIB. Os números são indiscutíveis: 85% dos empresários nanicos não pagam qualquer tipo de imposto direto. Segundo Marcelo Néri, para a minoria que paga, o total de impostos e tributos em relação à sua respectiva receita é de 6,29% na média e 3,13% na mediana. Em termos técnicos, a distância entre média e mediana constitui uma medida de desigualdade no tratamento tributário efetivo.

Se a expansão da base tributária efetiva se desse por intermédio dos valores da mediana, a alíquota efetiva de arrecadação tributária neste segmento cresceria simplesmente 1.170%, número que deve ser visto como um limite superior, até porque o sistema tributário deve ser progressivo, ressalta Néri. Estamos no que o ex-ministro e deputado federal Delfim Netto apelidou de estado Ingana, mistura de Inglaterra com Gana, que taxa como país rico e gasta como país pobre.

Para poder arrecadar além do nível estratosférico dos 38% do PIB atuais, como nos ameaça o presidente Lula, o Estado brasileiro não precisaria criar mais impostos, mas apenas apertar a máquina de fiscalização tributária, como tem sido feito. Teríamos, então, o Estado “que Esgana a sua população”, na definição de Néri.Diante da impossibilidade de termos uma carga tributária tão devastadora, a proposta de Marcelo Néri seria que o Estado se comprometesse a não aumentar o volume de impostos pagos efetivamente além dos níveis atuais. Qualquer redução da evasão fiscal seria transformada em menores impostos, ou créditos fiscais divididos entre aqueles que pagam impostos.

A idéia é aumentar a responsabilidade fiscal das pessoas físicas e jurídicas. Entre outras medidas, seria criado um número 0800 para que as pessoas com os incentivos corretos ajudassem o estado a diminuir o engano fiscal. No fundo, diz Marcelo Néri, deveríamos fazer um movimento não para que novos impostos não sejam criados, mas para que a carga tributária efetivamente paga não passasse de determinado ponto.

Aproveitando a Copa do Mundo, Néri diz que a evasão tributária constitui, junto com o futebol, um esporte nacional. “A diferença é que a maioria dos brasileiros é apenas telespectadora do esporte bretão, enquanto uma parcela substancial e desconhecida da nossa população é praticante da informalidade”.Os aforismos Ingana e Esgana são descendentes de outros, mais famosos. Nos anos 70, Edmar Bacha criou o aforismo BelÍndia, se referindo à desigualdade brasileira, uma pequena e próspera Bélgica incrustrada no meio de uma grande e pobre Índia. Marcelo Néri lembra que a discussão então se centrava nas causas da alta da desigualdade brasileira ocorrida nos anos 60 e que persistiu na década de 70.

As pesquisas recentes mostram o papel do Estado brasileiro neste processo concentrador de renda. Por exemplo, os 10% mais altos benefícios previdenciários concentram quase 48% da massa de benefícios. Como a Previdência concentra metade dos gastos sociais, esta elite de aposentados e pensionistas se apropria de 25% do gasto público brasileiro ou cerca de 4% da renda brasileira.

Por isso, o próprio presidente Lula já anuncia a necessidade de nova reforma da Previdência, para desespero do PT nesse momento de campanha eleitoral. Nem mesmo o principal adversário de Lula, o tucano Geraldo Alckmin, será capaz de discordar em público dessa necessidade pois, se eleito, terá que fazer a mesma reforma. Mas deverá criticar duramente a carga tributária, que mesmo tendo começado a subir no governo de Fernando Henrique, foi no governo Lula que chegou a limites indecentes.

Nos anos 80, ainda antes do queda do Muro de Berlim, Mário Henrique Simonsen se referiu ao Brasil como BanglAlbania, que combinava a pobreza de Bangladesh com o intervencionismo e a ineficiência estatais da Albânia, o mais fechado dos regimes do bloco soviético então ainda existente.

Marcelo Néri vê na Constituição de 1988, que criou um novo tipo de estado, caracterizado pela descentralização da carga tributária e multiplicação do número de municípios, o início do processo de aumento progressivo da carga tributária. É nesse ponto que o Brasil adquire contornos de Ingana, com carga tributária da Inglaterra mas mantendo a qualidade dos gastos sociais de Gana, na ironia de Delfim.

Mas, ressalta Marcelo Néri, o Estado que engana ao taxar como país rico e gastar como país pobre, também é enganado pela população, através de evasão fiscal. “Existem mais relações entre pessoas físicas e jurídicas do que supõe o Estado brasileiro”, ironiza ele, que lembra “um relevante teorema da economia, com o sugestivo nome de Equivalência Ricardiana, em alusão ao famoso economista escocês David Ricardo, pai da teoria de tributação”, que diz que se o Estado gasta muito, como o brasileiro, terá que inevitavelmente taxar mais no futuro. Como queria demonstrar o candidato Lula, como se nada tivesse a ver com os gastos excessivos.

Saiba quanto o Rio perde


Em O Globo de 25 de junho de 2006

Estudo sobre a economia subterrânea

Em O Globo de 25 de junho de 2006:

A necessidade de estudar detalhadamente a extensão da informalidade no país levou o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) a contratar a Fundação Getúlio Vargas para elaborar um estudo permanente, que começa a ser publicado periodicamente ainda este ano, sobre a economia subterrânea. Serão cruzados dados desde 1995 para uma avaliação trimestral da evolução da informalidade. O estudo ficará a cargo do pesquisador Aloísio Campello, do Ibre.

— A informalidade tem implicações mais profundas do que parece. Trata-se de uma cadeia que sustenta um verdadeiro Estado pirata, com propinas, corrupção, mortes por disputas entre quadrilhas de contrabandistas e financiamento de campanhas de políticos que contribuem para a manutenção do status quo — diz Emerson Capaz, presidente do Instituto Etco. — Um exemplo da força do Estado pirata é o (megacontrabandista) Lao Kim Chong, que tinha uma banca de 15 dos melhores advogados e quase conseguiu hábeas-corpus no Supremo para se livrar da cadeia.

Emerson reconhece que prender camelô é ineficiente:

— É enxugar gelo. Tem que atacar a logística e ter em mente que a pirataria e o contrabando têm quatro pilares: alta carga tributária, Justiça lenta, burocracia e impunidade. Além disso, há consumidores, com surpreendente destaque para os de classe média e alta, ávidos por comprar e imersos numa frouxidão de valores.

‘É uma espécie de busca tortuosa por cidadania’

Professora da Escola Brasileira de Administração Pública da FGV, Sylvia Vergara tem outras ponderações sobre as causas da informalidade.

— É importante não se esquecer das pressões de uma sociedade consumista, que apela o tempo todo para a compra de bens. Ninguém quer ficar à margem. Uma pessoa de renda baixa tem lá seu celular, sua TV, seu DVD. Como é que ela não se põe à margem? Consumindo piratas. E faz gato da TV a cabo. É uma espécie de busca tortuosa por cidadania — diz.

Para ela, os exemplos que vêm dos governantes não ajudam a interromper o ciclo:

— As pessoas pensam: “Ah, se eles podem roubar, sem punição, por que eu não posso?” Não se pode nem falar mais em marginalidade para esse tipo de comportamento. É cada vez mais a regra.

Para o sociólogo Inácio Cano, professor da Uerj, é fácil, para quem tem renda para consumir, condenar o uso de produtos piratas:

— As pessoas não têm acesso a emprego com carteira assinada. Isso é artigo em extinção. Se lhe derem essa opção, a maioria vai preferir ter acesso a isso e aos direitos, mesmo ganhando até um pouco menos. Recorrer à informalidade é o dia-a-dia de 20% a 25% da população, que moram em favelas, sem contrato, endereço, sem receber entregas, sofrendo discriminação, sem pagar impostos — diz o professor.
O sociólogo defende a proliferação de programas que estimulem a adesão de consumidores de baixa renda.

— Que se expandam os programas de eletricidade, água, TV a cabo para os pobres. Em troca de pagar, há direito a assistência técnica. É preciso que o mercado se aproxime da renda das pessoas para conter a informalidade. As empresas, inclusive de grife, poderiam fazer linhas populares que tivessem a sua marca, para facilitar o acesso do consumidor de baixa renda.

Entidade apóia lançamento de linha popular por grifes

Nesse ponto, Cano encontra apoio até em representantes da indústria pirateada.

— Toda a conscientização e toda a fiscalização não serão eficazes se a indústria não se comprometer a criar linhas de produtos mais populares — alerta Alexandre Cruz, do Fórum Contra a Pirataria.

— No fundo, todo mundo quer ter o produto original. Só precisa de meios para isso.

Taxista só circula à noite para fugir de blitzes

Em O Globo de 25 de junho de 2006

Por Alessandro Soler

Um taxista, morador de uma grande comunidade pobre da Zona Sul do Rio, casado — não no papel — e pai de três filhos, é a personificação da informalidade que castiga a sociedade fluminense. À margem do Estado em quase tudo na vida, ele pode mesmo ser chamado de Cidadão I (de informal ou, muitas vezes, ilegal). Além de morar na favela e, por isso, viver em situação de informalidade fundiária, sem título de propriedade ou pagamento de IPTU, ele não tem a carteira de trabalho assinada há 13 anos, desde que deixou de ser segurança privado. Hoje, o táxi com que ganha o sustento da família só circula à noite, a fim de evitar a fiscalização, já que há mais de dois anos acumula multas e IPVA não pagos.Em casa, o Cidadão I tem instalações clandestinas de luz e TV a cabo, o que é crime. Além disso, ele e a família consomem freqüentemente produtos piratas, justificando a opção com os baixos rendimentos.

‘O poder público me dá o quê? Somente dificuldades’Ao ser perguntado por que chegou ao extremo da informalidade, ele responde:

— A necessidade. Ganho pouco, ano passado tive uma forte depressão e isso me fez perder ainda mais o controle das coisas. Deixei de pagar as multas, o IPVA, fiquei com o carro todo irregular, e agora não sei como sair dessa situação. O poder público me dá o quê? Somente dificuldades. Eu tento regularizar minha situação na SMTU, mas não consigo, eles criam uma burocracia imensa, pedem que eu contrate um contador para me ajudar, não têm meios de parcelar as dívidas como eu preciso. Sem falar que a prefeitura alimenta essa indústria de multas, espalhando radares pela cidade sem dar nada em troca. E nas ruas essa buraqueira...Taxista recente — e sem a própria autonomia — ele paga R$ 1.800 mensalmente à dona do carro para poder dirigi-lo:

— Entre pagar as multas e comprar comida para meus filhos, fico com a segunda opção. Entre dar dinheiro para as grandes empresas e comprar CDs, tênis, pilhas, jogos eletrônicos para minhas filhas no camelô, o que acha que eu vou escolher? Compro até rádios, aparelhos eletrônicos. O preço é um décimo do normal. A indústria podia cobrar mais barato também.O discurso é politizado. Mas ele reconhece ignorar as implicações da pirataria com o crime organizado internacional.

— Nunca parei para pensar nisso. Mas máfia existe em toda parte. No Congresso, no empresariado, na classe alta. Acho que o combate à pirataria é errado da forma como é feito. Os guardas municipais só sabem bater no camelô, coitado. Na maioria das vezes o cara é um trabalhador desempregado. Em vez disso, deveriam ir atrás dos peixes grandes — sugere.

Jogos piratas comprados a R$ 3 em camelôs

A pirataria de serviços como luz e TV a cabo, contudo, ele explica sem convicção.
— Estou tentando regularizar minha situação na Light, mas é difícil. A tarifa é muito alta, não vou poder ter o mesmo nível de consumo. Lá onde eu moro, todo mundo tem TV pirata. Não sou exceção.As duas filhas do Cidadão I, de 8 e 6 anos, ganharam do pai recentemente um videogame. Comprado a prazo numa loja de departamentos, o aparelho é abastecido com jogos piratas, adquiridos a R$ 3 cada no camelô:

— Elas pedem muitas coisas, como todas as crianças. Só meu filhinho menor, de 1 ano, ainda não pede nada. Mas dói pensar que não tenho condições de dar a eles tudo que merecem. Só a educação eles vão ter de graça, e ainda assim de má qualidade. Minhas filhas estudam no mesmo colégio em que eu estudei, um dos únicos públicos perto da minha casa. Na minha época tinha disciplina, ficávamos muitas horas na aula. Hoje vejo que não cobram nada delas. Tudo piorou.As críticas ao Estado não se restringem à educação deficiente. O Cidadão I condena a corrupção policial. Ignora, mais uma vez, seu papel no ciclo da corrupção, uma vez que conta pagar propinas freqüentemente a PMs quando parado em blitzes:

— No mês passado eu voltava de Bangu, aonde tinha ido pagar as diárias à dona do táxi, quando fui parado numa blitz. Eu nem acreditei: o PM chegou a me mostrar a fatura de R$ 400 do cartão de crédito dele e disse que nós, os irregulares, é que teríamos que pagar. Eu estava só com R$ 30, era tudo que tinha me restado depois de deixar o dinheiro com a dona do táxi. Pedi a ele para deixar por R$ 20, afinal eu tinha que comprar alguma comida para minha família. Ele me pressionou muito. Cheguei a chorar, mas não adiantou.O Cidadão I considera dar ao Estado até mais do que recebe. E diz não ter esperança de que as filhas vejam uma sociedade melhor.

— Falam em direitos e deveres, mas o cidadão parece ter só deveres. Ninguém se sente estimulado a seguir regras numa sociedade tão corrupta e tão errada. É um verdadeiro salve-se quem puder mesmo — diz, para depois repetir uma das frases que mais usou durante a entrevista.

— Eu não sou exceção.

Número de empresas sem registro oficial também aumentou

Em O Globo de 25 de junho de 2.006

Ao analisar o número de contribuintes da Previdência Social no estado, o pesquisador Marcelo Néri, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), ligado à Fundação Getúlio Vargas (FGV), concluiu que a formalidade no mercado de trabalho fluminense caiu entre 1997 e 2003, movimento oposto ao do resto do país. Néri usou como critério a contribuição previdenciária a fim de poder cruzar dados do Censo, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e de pesquisas do setor informal. Na Região Metropolitana do Rio, a formalidade caiu de 64,98%, em 93, para 62,92%, em 99, e 60,63%, em 2004. No estado, em 2004, ela era de 63,4%, segundo dados atualizados do Censo. E na cidade do Rio, de 69,39%.

— Os números de formalidade das micro e pequenas empresas são alarmantes. Apenas 8,72% das empresas tinham CNPJ em 2003. Em 1997, 16,28% tinham o CGC. Só 7,2% tinham registro de pequena empresa em 2003, contra 14,46% em 97. Apenas 14,43% preencheram a declaração de Imposto de Renda em 2003, contra 27,62% em 97. Ou seja, todas as bases de formalidade caíram à metade entre 1997 e 2003. A informalidade está associada a encargos fiscais crescentes sem que haja benefícios sociais em contrapartida. Ela reflete o jeitinho brasileiro. Uma das formas encontradas para driblar o pagamento dos impostos e encargos trabalhistas é se associar a uma cooperativa. A proliferação delas cria mais informalidade.Ao contrário do que se pensa, diz Néri, não é a favela que tem a maior informalidade previdenciária:

— É simples: na favela, título de propriedade não é a regra, existe uma quase total informalidade fundiária. Mas as pessoas buscam ter uma relação com o estado em outros setores da vida. Até porque a pessoa que mora na favela tem “gato” de luz, não tem escritura, não consegue provar endereço. Com carteira assinada, ela pode conseguir abrir um crediário. Grande nas favelas, mesmo, é o desemprego. Dados atualizados do Censo mostram que nelas ele chega a 19,1%. Nos bairros de alta renda, a taxa cai para 9,1%.De acordo com o pesquisador, há uma “série de precariedades na vida trabalhista das favelas: desemprego alto, salário baixo, jornada puxada”:— Mas o mais forte é a falta de presença do Estado. Tenta-se cobrar impostos, mas sem oferecer os serviços em contrapartida. A informalidade, em todos os setores, passa a ser uma saída — conclui.

O rombo da informalidade

Em O Globo de 25 de junho de 2006

Por Alessandro Soler:


A informalidade, em suas muitas facetas, rouba da economia do Estado do Rio pelo menos R$ 4,4 bilhões a cada ano, revela levantamento do GLOBO com base em dados fornecidos por empresas, entidades representativas, órgãos públicos e centros de estudo. Os informais são, por exemplo, os proprietários dos veículos não licenciados no ano passado (62,5% do total, ou 2.356.044) e os 14,5% dos consumidores piratas de energia elétrica (862.500 instalações). Ou quase 37% da população economicamente ativa e ocupada (2,418 milhões), de acordo com estudo inédito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que mostra que, enquanto a informalidade diminui no país, no Rio ela cresce a cada ano.

A conta da informalidade supera em muito o orçamento de importantes secretarias de estado, como a de Segurança Pública (R$ 2,23 bilhões), a de Saúde (R$ 2,64 bilhões) ou a de Educação (R$ 2,14 bilhões). E cabe à sonegação de ICMS (R$ 1,2 bilhão) e à pirataria a maior fatia dos prejuízos.

Uma pesquisa do Fórum Contra a Pirataria, entidade que reúne empresas de mais de 30 setores, responsáveis pelo equivalente a 29% do PIB do país, conclui que a indústria fluminense deixou de ganhar R$ 1 bilhão no ano passado por causa desse tipo de informalidade. Já o estado deixou de arrecadar R$ 550 milhões em impostos, o equivalente ao orçamento da Secretaria de Transportes.

— Obviamente, essa não é uma questão meramente econômica. As pessoas parecem não se dar conta de que pirataria, hoje, é uma indústria ilegal intimamente ligada ao crime organizado. Segundo dados da Interpol, em 2005 o tráfico de drogas movimentou US$ 322 bilhões no mundo. A pirataria movimentou US$ 516 bilhões. É preciso entendê-la como algo que corrompe a sociedade. Quem é leniente com esse tipo de contravenção acaba relaxando com outras — analisa Alexandre Cruz, secretário-geral do fórum. — Quanto mais se difunde a pirataria, mais altos ficam os preços na indústria formal, porque ela encolhe para dar lugar aos ilegais.

Maioria dos piratas vem do exterior

O presidente da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), Gustavo Leonardos, associa com ironia a disseminação sem controle da pirataria no estado à globalização:

— É o preço que se paga pela globalização. De 70% a 75% de todos os produtos piratas que são vendidos nos camelôs vêm do exterior. E muitas vezes nos contêineres que os trazem encontramos armas e drogas. As máfias se beneficiam de acordos comerciais, áreas de livre comércio e afins para fazer circular com mais facilidade toda essa tralha. Não há sistema administrativo que dê conta de periciar uma enorme quantidade de produtos que entra no país.

Outra face da pirataria, a de serviços — luz, água, TV a cabo — também alcança quantias vultosas no Rio. Só a Light estima perder R$ 500 milhões por ano com o furto de energia elétrica e gasta R$ 100 milhões para combatê-lo. A base de clientes da maior concessionária de energia elétrica do estado chega a 3,75 milhões. Outros 262.500 têm instalações ilegais (“gatos”). Na Ampla a situação é pior. A empresa tem 2,2 milhões de clientes e estima em 600 mil os piratas, com prejuízo anual de R$ 260 milhões.

— Há mil pessoas na Light que se ocupam do combate aos “gatos” de luz. Elas poderiam estar trabalhando em áreas mais produtivas para melhorar o fornecimento a todos. E, se mais pessoas pagassem, os preços obviamente cairiam — explica José Marcio Ribeiro, assessor da Diretoria de Distribuição da companhia. — Quando se fala em informalidade, um dos maiores males do nosso estado, há de se saber que todos suportam isso, todos toleram. Todo mundo acha normal ter camelô na rua, ocupar irregularmente com construções os espaços públicos.

O furto de água, segundo a Cedae, chega a 15% do total tratado, ou 360 milhões de metros cúbicos por ano. Os prejuízos com as ligações clandestinas alcançam R$ 360 milhões por ano em todo o estado. Já as operadoras de TV a cabo, segundo o Sindicato das Empresas de TV por Assinatura (Seta), sofrem com 21% de pirataria. A perda passa de R$ 30 milhões anuais. Não há dados disponíveis sobre a pirataria de sinal via satélite e microondas, que o presidente do Seta, Antonio Salles, classifica como “igualmente descontrolada”:

— Essa informalidade daninha não proporciona mais inclusão social e econômica, muito pelo contrário. Empregos são perdidos, preços sobem por conta dela. As redes clandestinas de TV a cabo em favelas crescem sem controle. Daqui a pouco os traficantes poderão usar os canais das suas redes para transmitir mensagens à população de uma favela ou de outras, sem interferência do estado.

Informal nos serviços, informal com os carros. De acordo com o Detran, 62,5% dos 3.769.049 veículos do estado não foram licenciados no ano passado e 19% dos motoristas (720.964) não pagaram o IPVA. Com multas não pagas, todo o estado perdeu quase R$ 200 milhões. Deste valor, cerca de R$ 40 milhões foram perdidos pela prefeitura do Rio com as multas municipais.

A informalidade fundiária também traz prejuízo às prefeituras. Só a do Rio deixou de ganhar R$ 320 milhões com IPTU, 20% do total arrecadado. E a conta pode ser mais alta, já que não há estimativas precisas sobre quanto se deixa de arrecadar em todo o estado com os quase 10% de domicílios em situação irregular, sem escritura ou outros documentos, localizados em favelas. Eles eram, em 2004, segundo o IBGE, mais de 424 mil de um total de 4,895 milhões de residências.

— Nesses lugares a pirataria imobiliária avança de modo grave. Há muita gente investindo seu pequeno capital em barracos, na construção de lajes, sob as bênçãos do tráfico de drogas muitas vezes e sempre com os olhos da prefeitura fechados — afirma o deputado Júlio Lopes (PP-RJ), vice-presidente da Frente Parlamentar Antipirataria. — Em dois tempos constroem-se novos barracos. O investidor dessa pirataria fundiária passa a ganhar dinheiro sem pagar impostos. Enquanto o Rio cresce negativamente, nas áreas faveladas a expansão é de 10% ao ano. A informalidade vira a regra no nosso estado.