terça-feira, fevereiro 17, 2009

Difícil desde o início

17/2/2009

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – O mercado de trabalho da cidade de São Paulo se formou antes de 1930, quando ainda não havia nenhum outro no país. E já nasceu com os traços que caracterizam até hoje o mercado de trabalho nacional, como baixos salários, precarização, insegurança ocupacional e a presença do trabalhador autônomo.

A conclusão é de uma pesquisa realizada no Centro de Estudos da Metrópole (CEM) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP – e publicada na revista Novos Estudos, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

De acordo com o autor do estudo, Alexandre de Freitas Barbosa, pesquisador do CEM e do Cebrap, o estudo procura demonstrar que, se a sociedade brasileira é desigual, um dos fatores mais importantes que concorreram para isso foi a forma específica de como se construiu o mercado de trabalho no país.

“As pessoas tendem a olhar para o tema somente pelo aspecto da regulamentação, das leis, mas muita gente esquece que essas características – como precarização e subproletariado – foram as marcas do mercado de trabalho em um centro dinâmico que depois se universalizou para o conjunto do país”, disse à Agência FAPESP.

O artigo é fruto da tese de doutorado de Barbosa, que também deu origem ao livro A formação do mercado de trabalho no Brasil, publicado em 2006.

Segundo Barbosa, apesar dos traços que figuraram como marca do subdesenvolvimento no país, o mercado de trabalho paulistano no período pré-1930 conseguiu um razoável grau de estruturação, se comparado ao restante do país.

No período Vargas, de 1930 a 1945, o emprego formal cresceu muito e a sociedade brasileira se modernizou. Mas o núcleo do subproletariado, com a figura do autônomo, é o que caracteriza desde aquela época o mercado de trabalho brasileiro.

“Ainda que esses elementos tenham se reduzido em termos percentuais, essa continua sendo a característica básica fundadora do mercado de trabalho brasileiro, mesmo no período pós-1930”, disse o economista.

O estudo identificou que mais de 50% dos empregos industriais da capital paulista correspondiam aos dos operários assalariados, enquanto o restante dessa mão-de-obra estava inserida em oficinas e atividades artesanais do chamado setor não-organizado.

Segundo o autor, o tema do mercado pós-1930 geralmente traz à lembrança o governo de Getúlio Vargas, o advento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o surgimento do mercado de trabalho como algo espontâneo, dependente apenas de legislação.

“Mas o que ocorreu foi um processo muito tortuoso e muito distinto da formação de mercado que experimentaram os países europeus”, contextualiza Barbosa.

População sem trabalho

O economista se pautou no censo de 1920 a fim de identificar a população economicamente ativa. São Paulo, segundo o estudo, era a cidade com a maior taxa de “desemprego”, termo contestado por Barbosa, uma vez que a denominação do censo (“taxa de população sem trabalho”) não pode ser encarada como uma taxa de desemprego propriamente dita, pois o assalariamento ainda não havia se generalizado.

“Não utilizo o termo ‘desemprego’, pois não havia um assalariamento generalizado. Trabalhando com o censo, tive que projetar a população economicamente ativa e a classificação ‘ocupação não especificada’ indica as pessoas que mudam muito de ocupação. A presença delas reflete uma superoferta de trabalho, que faz sentido porque São Paulo era a região mais dinâmica da época”, explicou.

Havia na época, segundo ele, “um deslocamento ocupacional constante”. Mas não faz sentido, aponta, caracterizar o trabalho temporário ou domiciliar como componente de um “setor informal”, já que não havia distinção expressiva em relação às condições de trabalho e de reprodução social do também inexistente “setor formal”.

“A maioria daquelas atividades estava subordinada ao movimento do capital – de forma direta ou indireta – e não se diferenciava essencialmente da rotina na fábrica”, reforça.

Falar de desemprego é algo relativo em um cenário no qual as divisões são muito fluidas – as barreiras entre o trabalhador que está no mercado e aquele que está desempregado são tênues. “De um dia para o outro, pode-se mudar de uma posição para outra”, disse.

A partir de 1930, São Paulo continuou seguindo o mesmo padrão de crescimento acelerado. “A partir daí, o capital já tinha a capacidade de gerar um excedente de força de trabalho no próprio espaço nacional. Nesse momento, pode-se falar em nacionalização do mercado de trabalho”, afirmou.

Periodização

Segundo o pesquisador do CEM e do Cebrap, a ideia do estudo surgiu porque “faltava um material sobre como o mercado de trabalho no Brasil se constituiu”. No livro – e de forma sintética no artigo – ele estabelece os períodos da formação desse mercado.

A primeira fase abarca o período colonial até a primeira metade do século 19, por volta de 1850. Essa fase se caracterizaria por uma ausência de mercado de trabalho e nela, falar do mercado de trabalho escravo, é um equívoco teórico.

“Só se pode falar em mercado de trabalho a partir do momento em que se tem uma oferta e uma demanda de trabalho. Isso significa que há fluxo de renda e possibilidade de expandir o capital por outras esferas. É toda uma formação social diferente. Não cabe falar em mercado de trabalho, mas é dessa herança que construímos as feições desse mercado”, apontou.

A segunda fase representaria um período de transição – de 1850 a 1888, incluindo a entrada em vigor das leis que regulamentaram a situação escravista, como as leis Eusébio de Queiroz, do Ventre Livre e do Sexagenário.

“As elites tentavam manter ao máximo a mão-de-obra escrava e, ao mesmo tempo, no centro dinâmico tentavam elaborar mecanismos para que fosse criada uma força de trabalho livre, que são os trabalhadores expropriados pelo capitalismo na Europa”, disse.

Barbosa destaca também a presença do Estado desde o início. Para solucionar a escassez de mão-de-obra, a solução foi a imigração subsidiada dos europeus. Isso teria uma conexão com o avanço do capitalismo na Europa.

“O Estado apoiou e financiou os custos de passagens para entrada desses trabalhadores. Na verdade, criou-se uma superoferta de trabalho acima das necessidades da lavoura cafeeira, mantendo os salários lá embaixo”, disse.

O terceiro momento – de 1888 a 1930 – corresponde ao surgimento do primeiro mercado de trabalho, concentrado regionalmente no município de São Paulo. Com o processo de urbanização e de industrialização, começa a surgir uma classe operária e, ao mesmo tempo, foi criado um “núcleo fluido, que eu não chamo de setor informal”, disse Barbosa.

“É aquilo que alguns autores preferem chamar de subproletariado, pessoas que não são trabalhadores formais: que um dia fazem uma atividade e, no dia seguinte, outra. Também não se pode chamar de desemprego”, disse o pesquisador, que atualmente dá continuidade ao estudo, cobrindo o período de 1940 a 80, em seu pós-doutorado, realizado com bolsa da FAPESP.

Para ler o artigo O mercado de trabalho antes de 1930: emprego e ‘desemprego’ na cidade de São Paulo, de Alexandre de Freitas Barbosa, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.

Agência FAPESP