quinta-feira, março 26, 2009

Medida discriminatória

Em dezembro de 2008, foi demitido 1,54 milhão de trabalhadores com carteira assinada, mas apenas 103,7 mil (6,7%), identificados pelo Ministério do Trabalho em 42 subsetores da atividade econômica de 16 Estados, farão jus à extensão, por dois meses, do seguro-desemprego. A medida está sendo considerada discriminatória, pois não há na legislação e na sistemática do auxílio-desemprego qualquer distinção, como a que foi feita pelo governo, entre um trabalhador demitido pela indústria automobilística, em São Bernardo do Campo, por exemplo, e outro demitido por uma loja de armarinhos de Cuiabá, em Mato Grosso.

O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT, de onde sairão os recursos de R$ 126 milhões estimados para o benefício) aprovou a medida em 11 de fevereiro, deixando para o Ministério do Trabalho a identificação dos beneficiados, com base nas estatísticas do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). A lista dos favorecidos, divulgada terça-feira, mostrou que os critérios foram adotados, ao que parece, sob encomenda para atender a setores e regiões politicamente escolhidos.

Foi comparada a média, entre 2003 e 2009, da evolução do emprego formal de cada subsetor de atividade, com a oscilação do emprego nos últimos três meses. Não convence a explicação dada pelo titular do Ministério, Carlos Lupi: "Os que tiveram saldo negativo 30% superior a esta média, entraram no benefício. Portanto, quem foi demitido em dezembro dentro dos subsetores e Estados selecionados terá mais duas parcelas. Quem tinha direito a três meses de seguro-desemprego receberá cinco. Quem receberia cinco contará com sete."

Os beneficiados trabalhavam, na proporção de 82,6%, em São Paulo (44,3 mil) e Minas Gerais (41,4 mil), dividindo-se os restantes 17,4% por 14 Estados. Não têm direito ao benefício os trabalhadores que moram em Roraima, Acre, Pará, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins. E, na Região Nordeste, os Estados de Alagoas e do Rio Grande do Norte foram excluídos.

Passarão a existir duas classes de trabalhadores brasileiros: os escolhidos para a melhoria do benefício do seguro-desemprego, com base nos critérios do Ministério do Trabalho, e os demais.

Os trabalhadores da indústria de transformação foram os maiores beneficiados. Só a indústria de material de transporte (montadoras) e seus principais fornecedores (metalurgia e indústria mecânica) terão 36,6 mil beneficiados. Uma avaliação mais detalhada indicará a proporção dos ganhadores em redutos eleitorais de partidos que apoiam o governo, como a região do ABC. Com a exceção do Espírito Santo, todos os trabalhadores do comércio varejista foram excluídos. E só em Santa Catarina foram beneficiados os empregados do comércio atacadista. No Rio, só os industriários da área de papel, papelão, editorial e gráfica foram incluídos.

Em São Paulo, o benefício será aplicado apenas a seis subsetores - número igual ao do Amazonas -, mas, em Minas Gerais, foram beneficiados 10 subsetores de atividade.

Ocorre que a crise econômica atingiu a totalidade dos segmentos de atividade. A decisão, portanto, corre o risco de ser derrotada na Justiça. "É uma discriminação inaceitável", observou o ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do TST Almir Pazzianotto, responsável pela instituição do seguro-desemprego. "Você não pode oferecer o benefício a ex-funcionários de uma empresa e negá-lo aos demitidos da empresa ao lado só porque são de outro setor." Ou seja, o desemprego "não é seletivo". Para o advogado Márcio Magano, "ao fazer distinções deste tipo, o governo fere a lei" - no caso, o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que determina que não pode haver distinções à espécie de emprego e à condição do trabalhador.

É possível, portanto, que os desempregados excluídos do benefício invoquem o direito de receber tratamento equânime do Conselho Deliberativo do FAT.

A rigor, havendo recursos no FAT, nada há contra a extensão do seguro-desemprego. O problema é a inadmissível discriminação entre trabalhadores.

ESTADÃO