domingo, dezembro 07, 2008

Estímulo à formalização

O Senado aprovou, quarta-feira, projeto de lei que estimula a incorporação de microempreendedores (MEIs) à economia formal. O alcance social da proposta é enorme, uma porta de entrada para milhões de pessoas - de feirantes a pedreiros, eletricistas, encanadores, pipoqueiros ou ambulantes, entre outros informais - à rede de benefícios públicos, como Previdência e saúde. A mobilização para aprovação do projeto foi impulsionada pelo secretário de Trabalho paulista, Guilherme Afif Domingos.

A partir de 1º de julho de 2009, conforme o texto - que terá de voltar à Câmara para aprovação final -, microempreendedores com renda anual de até R$ 36 mil poderão se formalizar mediante o recolhimento mensal de R$ 45,65 ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), de R$ 1 aos Estados, como ICMS, e de R$ 5 aos municípios, como ISS.

Os MEIs terão registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e ficarão isentos do pagamento do Imposto de Renda.

Como afirmou o consultor José Pastore, "tudo ficará mais simples", pois não será preciso abrir firma ou fazer contabilidade. "Para os vendedores, basta guardar as notas fiscais de compra dos produtos - o que é bom para combater o contrabando e a pirataria e evitar o achaque dos maus fiscais."

O valor reduzido das contribuições é um incentivo à formalização. Introduz-se o conceito de "proteção parcial", conferindo aos contribuintes direito à aposentadoria por idade e invalidez, mas não por tempo de contribuição. Além disso, os MEIs terão direito a licença de saúde, licença-maternidade e licença por acidente de trabalho. Numa fase de crise econômica, é provável que haja forte adesão às novas regras.

Um dos resultados previstos é o acesso dos MEIs a linhas de crédito destinadas a pequenos e microempresários. Em muitos casos, isso será decisivo para viabilizar seus negócios.

Hoje, entre as formas de apoio aos pequenos negócios, já existe o Programa Crediamigo, criado há 10 anos pelo Banco do Nordeste do Brasil. Em São Paulo, há programas como o Banco do Povo Paulista, do governo estadual, e o São Paulo Confia, da Prefeitura.

No longo prazo, a nova lei ampliará as responsabilidades do INSS. Mas, no curto prazo, poderá gerar receitas: se ocorrer a adesão dos MEIs que percebem entre R$ 500 e R$ 3 mil por mês, estimam especialistas, o INSS terá receita anual da ordem de R$ 3 bilhões por ano, o que reduziria em 8% o déficit previsto em R$ 38 bilhões.

Estadão

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Cautela na construção civil

Depois de um período de euforia de três anos, o setor da construção civil reduziu o ritmo da atividade e começa a cortar vagas, mostraram reportagens do Estado de sábado e de domingo. Mudou o estado de espírito dos empresários, diante do esfriamento da demanda, mas nem todos os dados apontam para uma fase de recessão no setor.

A construção civil foi o segmento econômico que mais empregou nos últimos anos. Abriu 303 mil vagas formais apenas entre janeiro e outubro deste ano. A alta de 19,8% na variação do emprego foi 160% maior do que a da indústria de transformação (7,61%) e 46% maior do que a do segundo setor que mais gerou vagas, a agropecuária, com 13,5%.

Com a exceção do Amapá, em todas as regiões pesquisadas no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho houve aumento do emprego na construção, em 2008. Mas, em outubro, houve mais demissões do que contratações no Acre, Amazonas, Tocantins, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e em todo o Centro-Oeste, salvo Goiás. No Sul e Sudeste o saldo ainda foi positivo, com as exceções do Espírito Santo e do Rio Grande do Sul.

Em novembro, as primeiras indicações são de que haverá redução de vagas. Entre setembro e novembro, o Sintracon de São Paulo homologou 3.796 demissões, 30% acima da média do primeiro semestre. Haverá efeitos sobre a economia. "A construção civil é muito importante para o emprego", diz o economista José Pastore, consultor da Confederação Nacional da Indústria. "É um dos setores mais sensíveis à queda da confiança do consumidor." Sem confiança na manutenção do emprego, quem quer comprar imóvel adia o investimento.

Até agora, houve forte redução do número de lançamentos de imóveis na planta, pois, além da queda da demanda, a oferta de crédito diminuiu.

Um rápido processo de concentração está em curso, com a fusão de construtoras conhecidas, como a Company com a Brascan e a FIT com a Gafisa. As ações das construtoras caíram até 90% em Bolsa. A Abyara, uma das últimas a abrir o capital, busca sócios para se capitalizar, segundo a reportagem do Estado de sábado. Até a Cyrela, líder do setor, suspendeu projetos. "Foi uma freada brusca", diz o diretor do Secovi, Fábio Rossi.

Mas as construtoras têm em carteira muitos projetos em andamento, o que deverá assegurar um ritmo razoável de atividade no setor nos próximos dois anos. Para evitar problemas para os compradores finais, o governo anunciou que a Caixa Econômica Federal abrirá uma linha de crédito de R$ 3 bilhões para as construtoras.

Os financiamentos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) recuaram, em outubro, em relação a setembro (de R$ 2,9 bilhões para R$ 2,4 bilhões), mas ainda houve crescimento de 20% em relação a outubro do ano passado. O que não será mais possível é a manutenção de um ritmo de expansão dos financiamentos com recursos da caderneta de poupança da ordem de 90% em relação ao ano anterior, como vinha ocorrendo desde 2006. As cadernetas, inclusive, sofreram, em outubro, saques superiores em R$ 412 milhões aos depósitos.

O crescimento do setor de construção dependerá mais de obras públicas e dos financiamentos à habitação popular. Deverá, portanto, ser crescente o papel da CEF, gestora dos recursos do FGTS, mas as construtoras terão de se voltar mais para a produção de unidades de baixo custo. A necessidade de construir para a população de baixa renda e para os estratos mais baixos da classe média significa, também, que o desenvolvimento do setor ocorrerá mais no interior do que nas capitais, onde os terrenos são mais caros.

No Brasil, onde não há problemas graves com empréstimos sem garantia para a compra da casa própria, nem circulam no mercado financeiro títulos imobiliários sem lastro, como nos Estados Unidos, o governo deve ser ágil para aumentar a oferta de crédito, evitando uma forte desaceleração num segmento vital para o nível de investimento e de emprego.

quarta-feira, outubro 22, 2008

América Latina tem 10 milhões de jovens desempregados

Madri, 21 out (EFE).- Dos 106 milhões de jovens latino-americanos entre 15 e 24 anos, dez milhões estão sem emprego, enquanto os que não estudam nem buscam trabalho chegam a 16 milhões, segundo dados que serão apresentados na 18ª Cúpula Ibero-Americana, que acontecerá em El Salvador.


A cúpula, que acontecerá entre 29 e 31 de outubro, tem como tema central Juventude e Desenvolvimento. Além disso, esta será a primeira vez na qual os líderes da região ibero-americana poderão tratar de forma conjunta a crise financeira mundial.


Segundo documento ao qual a Agência Efe teve acesso, as mulheres jovens são as que têm empregos mais instáveis, menos seguros e são mais discriminadas no mercado de trabalho. Delas, 11% realizam trabalho doméstico.


O relatório destaca que "embora o desemprego entre jovens tenha diminuído, ainda alcança 19% da população ativa de 15 a 24 anos, quase o triplo em porcentagem do desemprego entre adultos".


Além disso, constata que "boa parte dos empregos" dos jovens "são precários e de baixa qualidade".


"Conciliar educação e trabalho é uma combinação adequada que permitirá desenvolver estratégias de inserção em nível individual", diz o documento que aconselha "melhorar a flexibilidade" do sistema educacional e laboral para unir as duas atividades.


Levando em conta que "até 2015 a América Latina terá um maior número de jovens entre 15 e 24 anos", este seria "um momento chave para implementar políticas inclusivas dos jovens, melhorando a qualidade da educação e articulando o elo entre educação e emprego".


O relatório destaca ainda que, segundo a Organização Internacional de Trabalho (OIT), caso o desemprego entre os jovens diminuísse pela metade, o Produto Interno Bruto regional cresceria entre 5% e 7%.


As análises de indicadores mostram "grandes diferenças" entre jovens rurais e urbanos, pois 23% do primeiro grupo completaram os estudos contra 56% do segundo, assim como entre indígenas (35%) e não-indígenas (50%).


O estudo mostra o elevado número de jovens que não estudam nem trabalham, 18% de entre 15 e 19 anos, o que representa "uma situação de exclusão e falta de sentido de pertinência", com um maior perigo de terem condutas violentas.


Sobre estes jovens, o documento afirma que eles "constroem suas identidades a partir de perspectivas de conflito, através do consumo de drogas e da violência para se fazer respeitar" e não conseguem se adaptar aos sistemas educacionais.


Ao abordar as respostas, o relatório afirma que nas reuniões preparatórias "houve acordo em ressaltar que a via repressiva não é eficaz e que as políticas de tolerância zero falharam", o que torna necessário "conseguir desarticular os grupos violentos ao mesmo tempo que se deve impulsionar políticas de prevenção e reinserção". EFE

G1

21 de outubro de 2.008


quarta-feira, outubro 08, 2008

Euforia da geração de empregos não abala desigualdades

Pela primeira vez, o saldo de empregos em 12 meses (ago/2007 a ago/2008) ultrapassou a marca dos dois milhões de postos formalizados. Pesquisa revela, porém, que déficit de trabalho decente ainda caracteriza mercado brasileiro

Por Maurício Hashizume*

Não é preciso ser especialista para reconhecer a relação direta entre o ritmo da economia e a geração de empregos. Ainda está bem viva na memória dos brasileiros a dura recessão da década de 80, que perdurou durante grande parte dos anos 90 e afastou muita gente do mercado de trabalho.

Nos últimos anos, a retomada do crescimento econômico ajudou a criar um ambiente mais favorável para quem está disposto a batalhar por um posto de trabalho. Em pleno mês de agosto, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) registrou a criação de mais de 1,8 milhão de novas vagas preenchidas no país, superando a meta que o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) estabelecera para todo o ano de 2008. Nos primeiros oito meses de 2007, o mesmo índice ficou em 1,3 milhão de empregos. O recorde anterior, do ano de 2004, era de 1,4 milhão.

Pela primeira vez, o saldo de empregos em 12 meses (agosto de 2007 a agosto de 2008) ultrapassou a marca dos dois milhões de postos formais. As estatísticas das contratações mostram também uma elevação dos níveis de emprego em diversos setores e em várias regiões do país.

"O principal destaque nos dados divulgados para o ano foi a taxa de desemprego metropolitana, que passou de um patamar de 9,9% na média do primeiro semestre de 2007 para 8,3% na média do mesmo período de 2008, o que equivale a uma diminuição de 1,6 ponto percentual (p.p.) no período", destaca o último Boletim de Conjuntura sobre Mercado de Trabalho do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), divulgado em agosto.

O percentual de pessoas no trabalho formal atingiu 49% do total dos ocupados, segundo dados do 1º quadrimestre de 2008 da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Trata-se da maior porcentagem de formalização desde que a metodologia foi adotada.

Diante de tantos resultados positivos, o relatório Emprego, Desenvolvimento Humano e Trabalho Decente: A Experiência Brasileira Recente, resultado de um esforço conjunto da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), traz alertas e análises que destacam um outro lado menos exuberante: o déficit "social" do trabalho.

Lançado em setembro, o estudo reconhece o crescimento econômico como um fator determinante para o combate à pobreza e às desigualdades sociais, mas não deixa de apontar limitações relevantes. Nesse sentido, posiciona os quatro pilares da agenda do trabalho decente (criação de emprego de qualidade para homens e mulheres, extensão da proteção social, promoção e fortalecimento do diálogo social e respeito aos princípios e direitos fundamentais no trabalho) como elos entre as condições favoráveis da economia e melhorias concretas no índice de desenvolvimento humano (IDH).

"É muito bom que haja crescimento econômico, mas ele não pode ser selvagem. O trabalho decente busca conciliar a idéia de produtividade com justiça social", explica Laís Abramo, diretora do escritório da OIT no Brasil. "Em 2006, a análise das Américas feita pela OIT identificou um déficit de trabalho formal de 53% da População Economicamente Ativa (PEA). Isso corresponde a 126 milhões de pessoas. Desse total, 103 milhões estão submetidos a trabalhos informais e 23 milhões estão desempregados ou migraram para outras regiões", contextualiza.

A partir da evolução recente do mercado de trabalho no Brasil, o trabalho assinado pelos três organismos ligados à Organização das Nações Unidas (ONU) confirma as melhorias verificadas no mercado de trabalho entre 1990 e 2005. Além da relação favorável entre o incremento do Produto Interno Bruto (PIB) e a geração de empregos, houve aumento do nível de ocupação e da formalização, leve melhoria nos rendimentos do trabalho e maior valorização da escolaridade na hora da contratação.

Por meio da avaliação de 28 indicadores coletados entre 1992 a 2006, os autores identificaram um processo de reversão da trajetória de desestruturação do mercado de trabalho (que marcou principalmente as últimas décadas do século passado), mas demonstraram que algumas características problemáticas não foram superadas ao longo do tempo.

Desigualdades
O relatório ressalta, por exemplo, a persistência da significativa diferença entre homens e mulheres no mercado de trabalho. A taxa de participação das mulheres aumentou nos últimos anos, mas a diferença continua sendo de 23 pontos percentuais (58,9% do total das mulheres fazem parte do universo dos trabalhadores - empregados ou não -, em comparação com 82% dos homens, verificados em 2006). O nível de ocupação das mulheres passou de 48,5%, em 1992, para 53,3%, em 2006 e cresceu mais que o dos homens. A diferença, que era de 33 pontos percentuais em 1992, caiu para 24 pontos percentuais em 2006, mas continua relativamente alta.

Outro índice que recuou muito pouco na análise histórica é a desigualdade de remuneração entre homens e mulheres, ainda mais aguda quando o foco se volta para as diferenças raciais. Em 1992, as mulheres recebiam 61,5% dos rendimentos dos homens e os negros, em geral, ganhavam 50% dos brancos. Em 2006, o primeiro índice chegou a 70,7% e o segundo oscilou para 53,2%. Ou seja, 14 anos se passaram e a disparidade racial praticamente não mudou. "Um dos técnicos que analisou gráficos brasileiros disse que os índices de desigualdades seguem uma trajetória próxima da linha reta, muito semelhante ao batimento cardíaco de um morto", analisa Laís Abramo, da OIT Brasil.

Dados sobre a diferença de rendimentos entre negros e brancos são apresentados quase sempre são acompanhados pela ressalva da possível existência de diferença na escolaridade. Outra estatística de 2006, porém, revela a proporção dos abismos de gênero e raça no Brasil. Apenas entre pessoas com 15 anos ou mais de escolaridade, os homens negros recebiam 73,9% em comparação aos ganhos dos homens brancos. Já os salários das mulheres brancas e das mulheres negras batiam, respectivamente, em 56,2% e em 41,1% do salário dos mesmos homens brancos.

Apesar da detecção de algumas mudanças neste quadro desigual, outro índice que preocupa é o da distribuição funcional da renda. A diferença entre a remuneração dos empregados (trabalho) e o excedente operacional bruto (capital) tem sido cada vez mais desfavorável para a base da pirâmide social. Em 1995, a distribuição era de 57,7% para os trabalhadores e de 42,3% para o capital. Em 2005, essa mesma divisão mudou para 53,3% e 47,7%.

Margem e rendimento

Apesar do importante aumento dos níveis de ocupação e do emprego formal, a taxa de informalidade continua alta e a escala de desempregados ainda é expressiva. De acordo com a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e pela Fundação Seade, em agosto de 2008 foram contabilizadas 2,91 milhões de pessoas desempregadas nas seis regiões metropolitanas pesquisadas - Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS), Recife (RE), Salvador (BA), São Paulo (SP) e Brasília (DF) -, 22 mil a menos do que no mês anterior. Na avaliação de Patrícia Lino Costa, do Dieese, ainda há muita margem para a redução desses índices. A taxa de desemprego total de 14,6% já foi de apenas cerca de 9% em 1989.

A pesquisadora ressalta ainda que uma porcentagem substantiva de desempregados com baixa qualificação (cerca de 20%) permanece fora do mercado formal por períodos longos - mais de um ano sem emprego. Eles se encontram nas estatísticas dos desempregados ocultos (por trabalho precário ou por desalento) do PED do Dieese. Curiosamente, o boletim de agosto do Ipea diagnosticou ainda uma reversão da tendência de queda da informalidade, que voltou a crescer em maio e junho deste ano.

Parcela grande dos empregos que estão sendo formalizados dizem respeito a segmentos de baixa remuneração. Dados do Caged do MTE mostram que 82% das vagas criadas em maio de 2008 se deram na faixa de remuneração entre 0 a 2 salários mínimos. Apenas 5% dos empregados registrados no mês recebiam mais que quatro salários mínimos, ou seja, R$ 1.660,00. O salário mínimo necessário para a garantia dos direitos básicos dos cidadãos calculado pelo Dieese para o ano de 2006 ficou em R$ 1.564,00.

Já a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007, divulgados pelo IBGE, revela que o rendimento médio real dos trabalhadores passou de R$ 831, em 2004, para R$ 960, em 2007. Apesar do salto, a média de R$ 1.011,00, registrada em 1997, ainda não foi superada.

A despeito do pequeno recuo do índice de Gini da renda do trabalho, a distribuição desigual dos rendimentos ainda é acachapante. No ano passado, a camada dos 10% que ganha menos ficou com apenas 1,1% do total dos rendimentos do trabalho, enquanto que a nata dos 10% que ganham melhores salários abocanhou 42% do total das remunerações.

Corte de custos
Do conjunto de problemas relacionados ao mercado de trabalho, um dos mais preocupantes é o da rotatividade de mão-de-obra. Nos últimos dez anos, as taxas de rotatividade se mantiveram em patamares elevados, acima de 40% praticamente em todo o período. Em 2007, o saldo de contratações formais superou o de demissões em cerca de 1,6 milhão (Caged), quantidade 5,85% superior a 2006. Esse 1,6 milhão derivou da admissão de 14,3 milhões de trabalhadores e da demissão de outros 12,7 milhões. Dessa soma de empregados desligados do emprego, 59,4%, ou 7,6 milhões foram dispensados por meio de demissões sem justa causa ou imotivada.

Com base no cruzamento da alta rotatividade com os tímidos resultados nos índices de rendimento, a pesquisadora Patrícia Lino, do Dieese, afirma que a substituição de empregados vem sendo utilizada para reduzir os custos das empresas. Essa tendência impede a qualificação e o treinamento mais apurado dos trabalhadores com vistas à estabilidade de médio e longo prazo, o que poderia contribuir para a melhoria dos rendimentos.

"Os salários dos trabalhadores admitidos no triênio 2005-2007 foram sempre inferiores aos dos trabalhadores desligados (nem todos por justa causa). Os percentuais de redução foram 11,42%, em 2005, 11,06%, em 2006, e 9,15%, em 2007. Ou seja, no momento da contratação, os novos trabalhadores são, na maior parte, contratados com salários menores, o que implica redução gradual do salário médio", coloca nota técnica do Dieese a respeito da Convenção 158 da OIT, que estabelece garantias contra a dispensa imotivada.

"De um modo geral, a permanência no mesmo emprego traz qualidade ao trabalho e este fato, combinado com investimentos na qualificação, tende a ser um fator determinante para o aumento da produtividade, uma vez que a mão-de-obra mais qualificada é mais preparada para promover a inovação", completa a nota. O MTE e o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) estimam que 9,7 milhões de pessoas serão demitidas em 2008, o que representa cerca de 30% do mercado formal de trabalho.

Mas nem tudo está perdido. "Níveis mais elevados de emprego dão a segurança (e possivelmente os recursos) necessários para que uma família possa proporcionar melhor educação a seus filhos. Ao mesmo tempo, é provável que uma população mais educada consiga melhores colocações", sustenta o relatório, que sublinha a promoção do trabalho decente como elo para a melhoria da qualidade de vida.

*em parceria com a Revista do Brasil

Repórter Brasil
07 de outubro de 2.008

quarta-feira, outubro 01, 2008

Brasileiro ganha um pouco melhor e chega mais preparado ao mercado

Dados do IBGE, analisados pelo Ipea, mostram que salário e o número de postos de trabalho cresceram no ano passado

Por Soraia Yoshida

O brasileiro encontrou mais emprego e está chegando mais preparado ao mercado de trabalho. Os trabalhadores com carteira assinada já somam 81,4 milhões, um aumento de 2,1% que faz parte da relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicado nesta terça-feira (30/9). É a segunda análise dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mostra inclusive crescimento de 3,2% na remuneração do trabalhador em relação a 2006, embora os R$ 960 fiquem ainda bem abaixo dos R$ 1.101 de 1997.

As contratações com carteira assinada ultrapassaram os números estimados do mercado informal, totalizando 51,1% dos trabalhadores empregados. O número ainda está longe dos ideais 75%, mas vem mantendo a seqüência de diminuição observada nos últimos três anos. Somando a expansão nas duas frentes, o nível de ocupação chegou a quase 91 milhões de trabalhadores em 2007.

Embora a crise financeira mundial ameace os índices de crescimento brasileiro, até agora os dados apresentam um cenário positivo. O país deve crescer em menor ritmo, mas com possibilidades de manter a tendência de mais empregos. "A crise está se mostrando mais forte do que se esperava”, diz a professora da faculdade de Economia da Universidade São Paulo, Maria Cristina Cacciamali. “Mas se China e outros países redirecionarem suas exportações para o mercado interno, em vez de reduzir a produção com a provável redução das compras dos EUA e países europeus, a crise deve atingir com menor força países emergentes, como o Brasil", afirma Maria Cristina.

No mais recente levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o nível de emprego mantinha seu ritmo de crescimento pelo 32o mês consecutivo, registrando um aumento de 4,4% nos setes primeiros meses do ano em relação ao mesmo período de 2007. As contratações seguem na esteira dos bons resultados da economia: no primeiro semestre, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 6%, um recorde histórico.

Para a estudiosa do trabalho e de políticas públicas, os dados positivos do Pnad podem ser celebrados, mas precisam ser entendidos dentro do momento que estamos vivendo. "Ao longo dos próximos cinco a sete anos vamos presenciar mudanças muito profundas na divisão e estruturação do trabalho que terá um impacto no país". Vai ajudar, porém, o fato que o trabalhador brasileiro já chega mais preparado ao mercado. No ano passado, o IBGE apontou que 41% dos trabalhadores empregados possuíam 11 ou mais anos de estudo. Em 2001, o percentual não passava de 30%. Na outra ponta, 16% dos trabalhadores têm até três anos de estudo.

Fila não anda

Na contramão, o maior número de oportunidades do mercado trabalho e a economia aquecida acabam atraindo jovens ainda em idade escolar, que trocam a sala de aula pela chance de fazer dinheiro. Segundo o IBGE, 2,5 milhões de crianças de 5 a 15 anos trabalham, a maioria no mercado informal. Desses, 20 mil não estudam, apenas trabalham. Pior: mais de 62 mil nem estudam e nem trabalham.

Apesar das políticas governamentais, a redução nos índices de trabalho infantil não foi significativa. Já evoluiu na interação da família de que a criança bem escolarizada tem mais chances de contribuir na renda daquela casa no futuro, mas não é tão eficiente para jovens de 15 a 19 anos. "Se a família não tem capacidade de satisfazer as necessidades do jovem, ele vai largar o estudo para trabalhar e prover essas necessidades", diz Maria Cristina. "Se esse jovem achar que vai aprender mais na rua, ele vai para a rua. É preciso que a escola continue oferecendo conhecimento e criando expectativas positivas em relação ao futuro."

Mais fiscalização

A análise anterior do Pnad mostrou que o brasileiro está vivendo mais tempo e, conseqüentemente, dependerá por mais anos da Previdência. Nesse cenário, a preocupação com a possível interrupção no crescimento brasileiro é ampliada porque os números mostram que a recuperação iniciada em 2001 ainda não conseguiu suplantar os péssimos resultados dos anos 90.

O número de contribuintes era de 51,8% em 1987 e caiu até atingir 45,1% em dez anos. A reação começou em 2001 e chegou a 51,2% no ano passado. O ideal seria que 75% da força de trabalho estivessem empregados e contribuindo para a Previdência, diminuindo o abismo que é mais acentuado nas regiões Nordeste e Norte do país.

Hoje o setor terciário é um dos grandes responsáveis pela reação do mercado. Também é um dos mais difíceis de fiscalizar. "Depois dos anos 90 criou-se a mentalidade de que ter um emprego, ainda que em condições avessas à lei, sem carteira, era melhor do que nenhum emprego", diz a professora da USP. O governo acabou fechando os olhos para as práticas paralelas do mercado e a informalidade disparou. "Agora está na hora de sanear as práticas de mercado, algo que seria positivo para todos. E o único modo de fazer isso é fiscalizar mais as empresas."

Época Negócios
30 de setembro de 2.008

sexta-feira, setembro 19, 2008

Brasil cresce em ritmo exasperantemente lento, diz Giannetti

Para economista do Ibmec-SP, aumento do emprego formal não é suficiente, é preciso reforma do mercado

SÃO PAULO - O economista e professor do Ibmec São Paulo Eduardo Giannetti da Fonseca é crítico em relação aos números apresentados na Pnad 2007. Segundo ele, o aumento do trabalho com carteira assinada não deve ser comemorado: é preciso uma ampla reforma do mercado de trabalho. Veja abaixo a entrevista:

Qual sua avaliação da Pnad 2007?

Os números de modo geral são positivos, mas o ritmo da melhora é exasperantemente lento. Apontam que estamos indo em uma direção boa, mas em um ritmo realmente desapontador pela sua lentidão. Em um ano excepcional para a economia que foi 2007, em que o PIB cresceu 5,2%, as melhorias são muito tímidas do ponto de vista social. Vou te dar dois pontos que realmente chamam a minha atenção no conjunto de dados. Só 35% da população economicamente ativa no Brasil tem uma situação regular de emprego. Isso significa que mais de 40 milhões de brasileiros não têm qualquer tipo de proteção dos seus direitos trabalhistas. Estão na informalidade ou fora do mercado mesmo. Uma parte pequena deles é o chamado 'auto-empregado', uma pessoa que tem alguma atividade independente, o autônomo, mas um contingente enorme, algo em torno de 30 a 35 milhões de brasileiros está vivendo na maior precariedade do ponto de vista do mercado de trabalho.

O crescimento econômico não está conseguindo incluir esses milhões de brasileiros?

Não, e isso é sinal de que existe alguma disfunção institucional no mercado de trabalho brasileiro. É um número muito alto de trabalhadores fora da formalidade, e diz respeito ao desenho das regras do funcionamento do nosso mercado de trabalho. São três pontos. Nós temos uma legislação trabalhista que é anacrônica, incrivelmente rígida, detalhista, complexa e excludente, porque nega oportunidade de emprego a muitos brasileiros.

Nós temos encargos sociais extremamente elevados. Existem alguns setores da economia que, ao contratar um trabalhador paga-se mais ao governo em impostos do que paga-se diretamente ao trabalhador. Há uma coisa muito ineficiente no Brasil que é o uso da folha de salário como instrumento de arrecadação para políticas assistencialistas. Mas não é apenas o INSS ou a Previdência. Usa-se a folha de salário no Brasil para fazer outro tipo de recolhimento de tributo, por exemplo para pagar o piso do salario mínimo dos trabalhadores, para pagar a aposentadoria rural, que na verdade é assistência social. Então você onera o fator trabalho desnecessariamente e diminui o nível de emprego na economia formal. Nós temos encargos excessivamente elevados, dentro da rigidez da CLT, que insere uma série de custos que poderiam ser revistos ou negociados e que aumentariam a inserção de brasileiros na economia formal.

Eu lembraria, em último lugar, ainda em relação a mercado de trabalho, a incerteza do contrato de trabalho no Brasil. O País é campeão mundial de ações trabalhistas. Nós temos hoje algo em torno de 2,3 milhões litígios em relações de trabalho por ano. Ou seja, somos recordistas mundiais em conflitos legais no mundo das relações de trabalho. A incerteza contratual é outro agravante que empurra para a informalidade. O empresário fica muito temeroso de contratar e depois ser acionado na justiça. Ele para não correr o risco e evitar litígio, acaba optando pela não-contratação formal.

Qual é o tamanho da economia informal no País?

Tem um estudo da consultoria McKinsey do final de 2006, que mostra o tamanho da economia informal no Brasil. Alguns números impressionam: 85% das pequenas empresas não recolhem todos os tributos exigidos pelo governo; 72% da construção civil atua na ilegalidade, por conta da mão de obra; 60% dos trabalhadores não tinham registro em carteira - isso caiu um pouco, hoje há 35% com carteira assinada. E mais: 35% dos programas de computadores são pirata. Se o Bill Gates começasse a Microsoft num fundo de garagem no Brasil, provavelmente estaria até hoje no fundo de garagem.

Esse 'recorde' de formalização que os números da Pnad 2007 mostram tem pouco a ser comemorado?

Não há o que comemorar. Deveria ser uma matéria de primeiríssima preocupação para a sociedade brasileira. O que há de errado nesse País é que condena 40 milhões de cidadãos a viver fora da lei. Isso tem que ser colocado em perspectiva e comparativamente ao restante do mundo. É uma anomalia brasileira. O problema dessas empresas que estão na chamada economia informal, ou subterrânea, é que são condenadas a permanecer pequenas e precárias. Elas não têm acesso a crédito, não podem entrar no mercado de capitais, o nível de produtividade delas é muito baixo, elas mantém a economia brasileira muito aquém do seu potencial. Vamos ter que fazer uma ampla e profunda reforma do mercado de trabalho no Brasil.

E você tem visto preocupação com essa questão?

De jeito nenhum. Ela está fora da agenda desse governo. É uma visão míope achar que essa melhoria na margem, que é bem vinda, dá conta da dimensão do problema que nós temos pela frente. Essa é uma visão míope, pois vê muito nitidamente o que está perto e perde de vista o conjunta. Celebra a arvore e perde de vista a floresta. O conjunto do mercado de trabalho no Brasil é dos mais anômalos da economia mundial. Você só tem paralelo dessa questão com países de nível de renda muito inferior ao brasileiro.

Seria urgente então uma revisão completa da legislação trabalhista? Quais são os pontos prioritários a ser trabalhados para aumentar o nível de emprego formal?

Precisamos reduzir o detalhismo da legislação e fazer uma aposta na liberdade contratual, para negociação livre das partes, dentro de limites, para o que é viável. Porque senão aumenta a precarização das relações de trabalho. Tem que atacar em três frentes: a legislação, os encargos e a incerteza contratual, que também é um problema muito sério no Brasil. Se apurar os passivos trabalhistas hoje existentes no Brasil, um grande número das nossas empresas formais estaria condenada a desaparecer porque não tem como pagar. Isso ocorre não porque o empresário brasileiro seja desonesto. O empresário brasileiro não é muito diferente do empresário em qualquer parte do mundo. isso ocorre porque nossa legislação é labiríntica e se criou uma indústria de ações trabalhistas. As regras do jogo são disfuncionais.

O que mais chama a atenção nos números da Pnad?

Outro ponto que gostaria de destacar, sob um enfoque crítico, é o saneamento básico. Até hoje, apenas 49% dos domicílios não estão ligados á rede coletora de esgoto. O Brasil está no século XXI sem resolver um problema que os países desenvolvidos resolveram no século XIX, de saúde pública. E de dignidade humana. O investimento em saneamento no Brasil é hoje de R$ 5,5 bilhões por ano, apenas 0,2% do PIB. Ou seja, 0,5% do total que o governo arrecada em impostos. Nesse ritmo, só vamos completar saneamento básico no século XXII. Não tem marco regulatório, há uma indefinição de responsabilidade e também não se criam condições para que isso possa ser feito pela iniciativa privada. Obra é de longo prazo e não rende frutos eleitoreiros. O problema vai sendo deixado para depois. Querer comemorar esses números é perder de vista a gravidade do quadro que ainda prevalece no Brasil.

O Brasil está melhorando?

Nós estamos melhorando, mas em ritmo lento. Eu esperaria que um governo com o perfil do governo Lula tivesse uma desenvoltura muito maior para tratar dessas questões, que são basicamente a incorporação de um número maior de brasileiros numa normalidade e no mercado de trabalho e uma infra-estrutura de saneamento e qualidade de vida equivalente ao nível de renda que o País já tem.

Quais são os pontos positivos nos números de 2007?

O que aparece com mais força nos números são o acesso a bens de consumo e bens de tecnologia da informação. O crescimento do número de domicílios com acesso a internet é realmente impressionante. Passou de 8,6% em 2001 para 20,4% em 2007. Esse é um salto importante e bem-vindo.

Isso é um reflexo da elevação da renda do brasileiro?

É uma tecnologia que não exige grandes investimentos em infra-estrutura e portanto contorna nosso problema crônico, que é a ação no longo prazo. A mesma coisa com respeito a telefonia celular. Felizmente essas tecnologias não são muito onerosas em termos de formação de capital prévio e investimento em infra-estrutura. Sua disseminação é rápida e mostra uma abertura da sociedade brasileira para o novo.

Esse acesso a tecnologia pode ajudar os brasileiros a galgarem melhores posições no mercado de trabalho?Os números da Pnad 2007 mostram também que aumentou o acesso à universidade.

Em relação a ensino superior, eu tenho sérias dúvidas. Muito do que se passa sob o nome de 'ensino superior' no Brasil na verdade não é. São cursos muito fracos, sem nenhum nível de exigência e que praticamente vendem o diploma. Não há realidade. Há uma inflação de títulos acadêmicos no Brasil. Se fôssemos ter um critério de país desenvolvido para o que é realmente o ensino superior no País, os números seriam muito diferentes. Os números do Pnad são sim agressivos, mas não há realidade. O MEC está tentando retirar a credencial de muitas instituições, mas não está conseguindo vencer essa batalha. Dificuldade de política de sanear o ensino superior no Brasil. Há muitos cursos em áreas como direito, administração que são caça-níqueis, talvez nem cursos técnicos poderiam ser. E a população, desinformada, se ilude com a compra do diploma. Esse aumento de freqüência no ensino superior no Brasil é um número completamente artificial, não há como imaginar que de fato isso esteja acontecendo para valer.

Programas como o ProUni de incentivo à entrada nas universidades têm algum peso nesses números?

Não acho que o crescimento do número total de alunos nas universidades seja conseqüência do ProUni. O ProUni muda um pouco a composição, mas o que houve é uma expansão descontrolada da oferta de vagas, ou pseudo-vagas, em instituições de pseudo-ensino superior. é uma inflação de credenciais acadêmicas, sem realidade.

Essa questão da atual crise do sistema financeiro americano que está reverberando pelas bolsas mundo afora, à medida que se torna sistêmica, pode prejudicar o crescimento do País? Podemos ser afetados?

Ninguém passará totalmente imune por essa turbulência, por essa desaceleração da economia mundial. Mas felizmente hoje o Brasil está muito bem posicionado para absorver essa piora do cenário externo sem maiores traumas. Tendo a crer que é a primeira vez em pelo menos duas décadas que o Brasil consegue lidar com uma deterioração do ambiente externo sem ser afetado de maneira dramática. O Brasil vivia um quadro de hipersensibilidade às mudanças da economia global. Uma gripe lá fora virava uma pneumonia aqui dentro e nós íamos para a UTI. Hoje esse quadro mudou por completo. Eu não chegaria ao ponto de lembrar aquela frase do Geisel nos anos 1970, quando ele dizia que o Brasil era um ilha de prosperidade num mar turbulento. Mas o Brasil de fato é uma ilha de estabilidade numa economia revolta.

Porque nós soubemos usar o bom momento da economia mundial nos primeiros anos da atual década para promover um profundo ajuste das nossas contas externas, e isso hoje é um seguro que nós temos contra a piora do mundo. As nossas reservas cambiais, os nossos indicadores de solvência externa, a melhoria do perfil da dívida pública do governo, da dívida pública interna. Então não temos mais aquele quadro da hipersensibilidade à piora do mercado global, mas as nossas condições internas para crescer de maneira sustentável ainda são, na melhor das hipóteses, medianas.

As condições internas para o crescimento do País são medíocres?

Nós temos hoje um limite de velocidade de crescimento sem gerar desequilíbrio que é muito baixo, de 4%, 4,5% ao ano. Como a população economicamente ativa (PEA) ainda cresce no Brasil 2% ao ano, pois ela reflete o crescimento demográfico de 20, 30 anos atrás, isso significa que o PIB per capita no Brasil cresce ridículo, 2% a 2,5% ao ano. O PIB per capita, ao final das contas, cresce a um número muito baixo. A pergunta que nós temos que nos fazer é porquê isso acontece.

E qual seria a resposta?

A minha resposta tem duas partes. A primeira é o gigantismo do Estado brasileiro. Ele arrecada 38% do PIB, ele apresenta um déficit nominal de 1,5% a 2% do PIB, ou seja 40% da renda do trabalho do setor privado dos brasileiros de um modo geral é drenada para o setor público e a capacidade de investimento do Estado brasileiro mal atinge 2% do PIB.

Arrecada-se muito e investe-se pouco, portanto.

Exatamente. O Estado brasileiro é um despoupador. O governo Lula vem apresentando esse quadro de fazer ajuste fiscal por meio do aumento da carga tributária. E o aumento da carga tributária se traduz muito mais em gasto corrente do que em aumento de investimento.

Com toda a melhora de investimento nos últimos anos, temos um dos números mais baixos de formação bruta de capital fixo do mundo, em torno de 18% do PIB. Enquanto países como a Índia investem 28% do PIB, a China atinge espantosos 40% do PIB e os países de maior crescimento investem de 25% a 30% do PIB. Esse é o primeiro fator, que chamamos em economia de crowding-out fiscal. No fundo a idéia de que uma parcela muito expressiva da poupança do setor privado está sendo deslocada para financiar gastos correntes do setor público, e isso deprime a capacidade de investimento da sociedade brasileira. O Estado é inflado, ele é muito grande, e gasta de modo a não aumentar a capacidade de criação de riqueza, de produção futura. É um gasto que não tem efeito multiplicador de renda no futuro.

A outra parte da resposta é o ambiente de negócios, hostil ao empreendedorismo. A cultura brasileira é vocacionada ao empreendedorismo, mas nosso ambiente institucional é tremendamente hostil. Isso aparece consistentemente dentro em uma série de relatórios que o Banco Mundial vem produzindo, chamado Doing Business. É o País do mundo que figura em primeiro lugar na classificação do Banco Mundial em termos de tempo requerido para recolhr os impostos devidos. Entre mais de 150 países, o Brasil é onde mais se consome tempo de gestão empresarial simplesmente para pagar impostos. São 7,2 mil horas no Brasil, 70 horas em países como a Irlanda.

Em termos de tendência para 2008, o que podemos esperar? Quando olharmos os dados do Pnad 2008, o que terá avançado?

Eu acho que a toada vai ser a mesma. Nós vamos continuar com uma economia sem grandes turbulências macroeconômicas, o que é algo muito tranqüilizador, nós saímos de uma hipersensibilidade às mudanças de humor do mercado internacional, mas nós encontramos uma realidade interna que na verdade é medíocre. Nós saímos daquele quadro de UTI, de emergência, depois fomos para um quarto de hospital e depois fomos para casa, e descobrimos que nossa vida em casa é muito medíocre. Esse "paciente" encontrou o limite de velocidade em uma situação de normalidade. Esse limite é baixa poupança, baixo investimento, provocados por um Estado que não cabe no PIB e por um ambiente de negócios que não estimula o investimento e o aumento da produtividade.

E se quisermos ir mais atrás, há problemas fundamentais na formação de capital humano. Um dos dados que aparecem nessa Pnad é que ainda temos mais analfabetos do que a Bolívia. De novo, o Brasil chega ao século XXI com indicadores de educação do século XIX. Países hoje desenvolvidos universalizaram o acesso ao ensino fundamental no século XIX. Os EUA, que como nós foram uma ex-colônia, garantiram o acesso ao ensino fundamental em 1890. Nós fizemos isso na década de 1990 - com um século de atraso. E isso, no Brasil, curiosamente é comemorado. Isso deveria mais nos constranger do que orgulhar. E mesmo assim nós fizemos essa universalização com uma qualidade de ensino que deixa muito a desejar. E a tendência é essa: os números vão melhorando, mas num passo exasperantemente lento.

Estadão

18 de setembro de 2.008


sábado, setembro 13, 2008

Emprego industrial cresce mais em cidades pequenas, mas informalidade preocupa

KAREN CAMACHO
Editora-assistente de Dinheiro da Folha Online

28 de agosto de 2.008

Levantamento realizado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) aponta que o emprego industrial cresceu mais nas cidades pequenas, mas a informalidade e o desrespeito a questões trabalhistas, fiscais e ambientais ainda dependem de esforço conjunto de governos, empresas e agentes de desenvolvimento.

De acordo com dados obtidos pela Folha Online, 58% dos empregos industriais criados entre 2000 e 2005 ocorreram nas cidades pequenas, com menos de 100 mil habitantes. Os dados, consolidados pelo Ipea, são do Ministério do Trabalho

Segundo o Ipea, esses municípios podem ser divididos em três tipos: 1) pequenos, próximos a capitais, ou médios; 2) pequenos, cujos investimentos vêm principalmente de grandes empresas atraídas por incentivos fiscais oferecidos pelos Estados; e 3) pequenos, onde há fortes indústrias locais constituídas de pequenas e médias empresas.

O estudo aponta, no entanto, um fator preocupante: a maioria das pequenas e médias empresas destes municípios são informais. Assim, o Ipea buscou exemplos de cidades que evoluíram no cumprimento às leis e aumentaram a formalidade, como é o caso de Toritama (PE), na área ambiental, Nova Serrana (MG), trabalhista, e Jaraguá (GO), tributária.

As três cidades estão entre os 417 municípios brasileiros em que o emprego industrial com carteira aumentou em pelo menos mil trabalhadores no período.

"Esses municípios são exemplos do dinamismo econômico encontrado em pequenas localidades no Brasil, onde se constata um crescimento, na última década, do emprego formal, do número de empresas formais, da arrecadação tributária, e do PIB", segundo o levantamento.

Formalidade

Segundo o estudo, o Brasil apontou a criação de 7 milhões de empregos formais entre 2000 e 2005. O número é superior ao registrado nos 15 anos imediatamente anteriores, de 5,7 milhões.

A taxa média de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), no entanto, foi de 2,6% (de 2000 a 2005), próxima ao registrado em anos anteiores --de 2,3% de 1991 a 1999.

Portanto, na análise do Ipea, o rápido aumento do emprego formal no Brasil após 1999 não pode ser explicado por níveis mais altos de crescimento econômico.

Entre as razões possíveis estão a desvalorização da moeda brasileira em 1999 e o aumento das exportações estimulado pelo crescimento econômico mundial.

O Ipea ressalta que esses fatores não explicam, por exemplo, por que o emprego aumentou nos setores intensivos em mão-de-obra (calçados, têxteis e roupas), que estavam sob intensa concorrência de países onde os salários são mais baixos, ou por que a maior parcela do crescimento do emprego no setor de manufaturados se deu no interior do país.

Fases

Segundo o Ipea, a dinâmica do mercado de trabalho recente pode ser identificada em duas fases: a primeira, entre 1990 e 1999, é marcada por uma taxa de desemprego crescente, e a segunda, a partir de 2000, é caracterizada pelo crescimento do emprego formal.

Na primeira fase, de acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a taxa de desemprego praticamente dobrou, aumentando de menos de 5% no começo da década de 1990 para quase 10% em 1999.

O número de desempregados passou de 9 milhões, que é considerado alto comparado ao que se observou nas duas décadas anteriores (1970 e 1980), nas quais esse número em nenhum momento excedeu 2 milhões de trabalhadores.

O estudo ressalta que foi, durante a década de 1990, que acadêmicos, políticos e empresários pressionaram por reformas na legislação trabalhista, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que é considerada por parte dos setores antiquada e uma barreira ao crescimento do emprego formal.

"A natureza dessa crítica mudou depois de 1999, quando o emprego formal começou a aumentar rapidamente e a CLT não podia mais ser responsabilizada por retardar esse crescimento", afirma o levantamento.

Com esse crescimento, a informalidade passou a ser o principal problema resultante da CLT. A informalidade no Brasil chegou a 53% da força de trabalho em 2005.