sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Discriminação com o FAT

Ampliar o apoio aos desempregados é em princípio uma boa ideia e pode ser uma providência inevitável, se a crise se agravar e as demissões continuarem a crescer no Brasil. Mas boa ideia não é, certamente, usar o dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para conceder benefícios especiais aos desempregados e às empresas de setores escolhidos. Com apoio do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, o Conselho Deliberativo do FAT (Codefat) acaba de cometer os dois graves equívocos.

O Codefat aprovou, na quarta-feira, o pagamento de mais duas parcelas do seguro-desemprego a trabalhadores dos segmentos empresariais mais atingidos pela crise. Segundo o ministro do Trabalho, os setores serão definidos com base nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). A seleção, acrescentou, poderá incluir as áreas de siderurgia, extração mineral e exportação de frutas. É uma relação hipotética, aparentemente, mas esse detalhe é menos importante. As parcelas do seguro têm variado até agora de três a cinco meses. Poderão ser aumentadas para cinco ou sete.

Falta explicar, antes de mais nada, por que o desempregado de um setor "menos atingido pela crise" deva receber menos parcelas que o demitido de um dos setores selecionados pelo Ministério. Não há como determinar, antecipadamente, se ele terá menos contas a pagar ou menores necessidades essenciais nem se conseguirá novo emprego mais facilmente que seus companheiros de qualquer outro setor. O critério anunciado é, à primeira vista, uma grossa bobagem, mas pode ser pior que isso. A avaliação depende de como se tenha chegado a essa decisão discriminatória.

Se o governo acha conveniente e financeiramente exequível aumentar o número de parcelas, o mais correto é distribuir o benefício de forma equitativa. No Brasil, dificilmente alguém preferirá continuar desempregado, se puder arranjar um novo posto, mesmo em condições não ideais. Se a nova oportunidade não aparecer em quatro ou cinco meses, a situação será desconfortável para qualquer desempregado, seja qual for sua área habitual de trabalho.

O outro equívoco é também evidente, embora se possa tentar justificá-lo. O Codefat resolveu financiar, por meio do Banco do Brasil, capital de giro para micro, pequenas e médias vendedoras de carros usados, em troca do compromisso de preservação de empregos. Segundo o ministro Carlos Lupi, o setor de revenda de carros usados foi, no setor automotivo, o mais atingido pela crise.

Mas outras áreas da economia também foram atingidas. Nesses outros setores trabalha - ou trabalhava - a maior parte dos compradores potenciais de carros usados. Esses trabalhadores podem ter deixado de comprar por falta de crédito, por desemprego ou por insegurança em relação ao próprio futuro profissional. Essas pessoas, assim como as empregadas em revendas de veículos, também consomem outros bens e de suas compras depende o funcionamento de muitos outros segmentos da indústria, do comércio, dos serviços e da agropecuária.

A decisão do ministro e do Codefat é arbitrária e injustificável quando se consideram a dimensão e a natureza da crise econômica. Todos os setores precisam de crédito mais abundante e mais barato. Isso não se resolverá com recursos do FAT, principalmente se forem distribuídos para atender a pressões setoriais e à ação de lobbies. O presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, foi surpreendido pela notícia, pois negociava com o Codefat a inclusão do setor de motocicletas no pacote. Isso dá uma ideia de como se negocia o uso desse fundo. O presidente Luiz Inácio da Silva talvez devesse, por prudência, acompanhar com um pouco mais de atenção iniciativas nessa área.

Erros como esses, cometidos no gabinete do Ministério do Trabalho e no Codefat, poderiam ser evitados, se houvesse alguma coordenação e alguma liderança na formulação da estratégia anticrise. Em condições normais, essa função deveria caber ao ministro da Fazenda ou a seu colega do Planejamento. Se por alguma razão estiverem impossibilitados de exercê-la, alguém do gabinete presidencial deveria assumir a tarefa. Nada disso ocorre. Entre os discursos do presidente e a ação dos ministros, no dia a dia, há um vácuo de orientação e de competência.