segunda-feira, novembro 13, 2006

REGULAMENTAÇÃO DO COMÉRCIO INFORMAL

Em http://federativo.bndes.gov.br/dicas/D072.htm
(Publicado originalmente como DICAS nº 72 em 1996)

Em tempos de crise econômica, cresce cada vez mais o comércio informal. A proibição não resolve o problema. A criação de um fórum que envolva os comerciantes, os camelôs e a população pode ser a saída.

A crise sócio-econômica originou uma nova categoria de trabalhadores: os camelôs. Sem carteira de trabalho assinada, eles tentam driblar, de forma criativa, as demissões em massa ocorridas nas indústrias. Dezenas de barracas, vendendo os mais diversos tipos de produtos, foram instaladas nas praças, ruas e viadutos das cidades. A rápida multiplicação desses trabalhadores gerou novos impasses entre diferentes setores da sociedade. Os comerciantes passaram a exigir do poder municipal alguma ação que coibisse a existência dos camelôs, sob a argumentação de que prejudicam as vendas ao oferecerem produtos similares aos das lojas a preços muito menores.

A preocupação com os vendedores ambulantes nas cidades reflete parte das questões referentes à economia informal (que gera renda mas não paga impostos nem seguridade social) presentes nas agendas do poder público federal, estadual e municipal. Recente levantamento feito pelo IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra o brasileiro satisfeito em trabalhar sem patrão e sem carteira assinada (no total somam 38,6% dos trabalhadores). Entre os pesquisados, 85% dos que deixaram o trabalho assalariado para ter um negócio próprio não querem mudar de ramo ou buscar emprego no mercado formal. Afinal, grande parte dessas pessoas foram demitidas das indústrias por serem trabalhadores menos qualificados e, ao ingressarem na venda informal de serviços ou produtos, aumentaram sua renda em relação à situação anterior. Dados do Ministério do Trabalho mostram que em 1995 havia 2,1 milhões de trabalhadores autônomos ou sem carteira assinada só na região metropolitana de São Paulo.

Os vendedores ambulantes já contam com órgãos próprios de assessoria e promoção de cursos, sindicatos específicos e até convênios com prefeituras e governo. Em São Paulo, por exemplo, há o Sindicato dos Trabalhadores da Economia Informal, fundado em 1992, o Sindicatos dos Ambulantes e Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos de São Paulo (Ceapae-SP).

POR QUE REGULAMENTAR?

A presença desses vendedores do mercado informal nas cidades não pode ser desprezada pelo poder público local. A relação entre os camelôs e entre estes e os comerciantes requer especial atenção quando o mercado de ambulantes não está regulamentado. A fase embrionária em que se encontram os seus órgãos de representação leva, muitas vezes, para o nível pessoal as soluções de problemas cotidianos. O grande número de ambulantes e a disputa pelos melhores pontos de venda na cidade geram uma concorrência predatória entre os trabalhadores da mesma "categoria".

A desordem, por sua vez, dá margem para o aparecimento de relações conflituosas entre pedestres, ambulantes e comerciantes. Surgem reclamações referentes à falta de espaço para os pedestres, a presença de camelôs ao lado de pontos de ônibus, a obstrução da entrada de lojas, entre outros, dificultando a criação de uma empatia entre os moradores da cidade e essa camada de trabalhadores que tentam sobreviver por meio de uma atividade informal da economia, após terem sido excluídos do mercado formal de trabalho.

A Prefeitura Municipal também deve estar atenta para a desfiguração do espaço público que a presença de ambulantes de maneira não organizada pode proporcionar. Barracas em espaços públicos de convivência ou próximas a monumentos públicos podem causar o estranhamento do cidadão em relação a esse espaço ocupado e, em seguida, o rompimento afetivo do morador com a sua própria cidade. Isso também deve ser uma preocupação da prefeitura.

Outro fator importante a ser considerado é o fato de que o aumento desordenado de vendedores ambulantes nas ruas potencializa um aumento do esquema de arrecadação de propinas por parte dos fiscais da prefeitura, por criar uma relação incestuosa entre estes e os camelôs, ignorando os interesses da coletividade.

O governo municipal deve estar ciente de que a regulamentação do mercado de ambulantes deve incorporar todos os atores sociais. A organização dos camelôs na cidade já tem uma lógica própria que não aceitará imposições de cima para baixo. A construção de camelódromos, por exemplo, não soluciona o problema porque o comércio ambulante se estrutura em locais onde há um grande número de pedestres, e soluções desse tipo deslocariam o camelô para uma área afastada do percurso diário do seu "mercado consumidor".

As relações existentes entre os "donos dos pontos" e seus "funcionários", e entre os fiscais e os ambulantes, já construíram regras que ordenam as suas atividades e que muitas vezes estão associadas à idéia de conflito, porque a maioria das vezes em que os camelôs foram notados pelo poder público foi para impedir que trabalhassem. Portanto, a entrada do poder público municipal deverá ser feita respeitando essa lógica pré-existente e, a partir de então, dando forma a regras universalizantes.

Dessa maneira, cabe à prefeitura travar uma relação democrática com essas pessoas que foram excluídas do mercado de trabalho formal e que não têm outra alternativa de sobrevivência. Mesmo porque, em tempos de crise econômica, a atividade ambulante continuará existindo independente da postura adotada pelo poder público municipal, uma vez que o comércio ambulante se adapta às proibições e concessões determinadas pelos governos locais em diferentes gestões. Ou seja, a proibição não elimina o comércio ambulante.

COMO PODE SER FEITO?

A prefeitura deve criar um fórum de discussão que será responsável pela criação de uma lei que regulamente a atividade informal, respeite os direitos dos pedestres e de outras categorias sociais. Esse fórum deve ser aberto para os representantes dos trabalhadores ambulantes, dos comerciantes e da sociedade civil.

Cabe ao governo municipal abrir as discussões, a partir do mapeamento das ruas do centro e dos locais mais usados pelo comércio ambulante, de tal forma que se tenha noção da capacidade das vias públicas abrigarem os vendedores sem prejudicar a circulação. O cadastramento de todos os interessados em exercer atividade ambulante também deve ser providenciado pela prefeitura, esta medida tornará os ambulantes menos expostos à pressão dos fiscais da prefeitura.

Dentre outras questões a serem enfrentadas tem-se a regulamentação do perfil dos vendedores ambulantes que poderão trabalhar e dos usos múltiplos das vias e logradouros, de tal forma que o trânsito de pedestres não fique impedido, e não sejam obstruídos os pontos de ônibus, estacionamentos, edifícios e lojas. Essa demarcação da área destinada aos ambulantes deve deliberar a respeito do distanciamento entre barracas, da área máxima de exposição das mercadorias e do produto a ser vendido pelo ambulante. Podendo, por exemplo, gerar áreas especializadas em oferecer artesanatos, outras em eletro-eletrônico e assim por diante.

O fórum poderá, a médio prazo, incentivar a organização dos camelôs em cooperativas, que assumam a distribuição dos locais previamente definidos e a fiscalização das atividades dos ambulantes, de tal forma que quando essa organização estiver bem estruturada, só seja permitido vender produtos comprados da cooperativa. Dessa maneira, a marca da cooperativa seria como um selo de qualidade.

Cabe também à prefeitura desmistificar a idéia de que os ambulantes são marginais, que não devem ser reconhecidos como trabalhadores honestos, ou ainda que existe uma relação direta entre o ganho adquirido pelo camelô e a perda do comerciante. Pesquisas demonstraram que na cidade de São Paulo a presença de camelôs em determinadas áreas atrai a presença de consumidores em potencial também para os lojistas da região: quando os ambulantes foram afastados, o comércio legal da região caiu.

RESULTADOS

O comércio ambulante foi regulamentado no município de São Paulo, de 1989 e 1992, através da iniciativa da Prefeitura Municipal por meio de um fórum do qual faziam parte todos os atores direta ou indiretamente envolvidos na questão do mercado informal de camelôs.

Participaram do fórum as secretarias municipais que tinham alguma ligação com a questão _ Secretaria de Abastecimento, Secretaria de Bem-Estar Social, Secretaria de Planejamento e Secretaria de Administrações Regionais _, a Associação Comercial, a Federação de Lojistas, Federação do Comércio, todas as entidades que representam os ambulantes, OAB, Ordem dos Economistas e o Sindicato dos Arquitetos.

O regulamento chamou atenção para questões de amplitudes variadas, desde o direito do trabalhador gerar a sua renda de maneira informal, passando por preocupações paisagísticas, até a dimensão simbólica da cidade para os seus habitantes.

A seguir algumas definições acordadas pelo fórum:

Permissão para exercício da atividade somente aos ambulantes cadastrados.

Tendo-se como base a planta genérica de valores da cidade, estipulou-se o pagamento ao Município pelo uso do espaço público (a partir do valor do metro quadrado em cada região).

2/3 dos pontos fixos foram destinados aos portadores de deficiência física e aos sexagenários.

1/3 foram distribuídos aos demais interessados, pelo critério de antigüidade

a credencial foi dada a título pessoal e intransferível (os deficientes contavam com auxiliares).

Caso houvesse desrespeito às normas gerais (quanto à localização, documentação, higiene, etc.) eram aplicadas multas, e em caso de reincidência, a permissão ao exercício da profissão era revogada.

Foi criada ainda uma comissão permanente regulamentadora em cada administração regional, com a função de controlar as medidas definidas, delimitar e distribuir os pontos, e deliberar quais produtos podiam ser comercializados.



Autores: Cássio Luiz de França e Rafael Oliva Augusto

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